Oito migrantes venezuelanos, recentemente deportados dos Estados Unidos para El Salvador, compartilharam relatos detalhados sobre sua experiência de quatro meses de detenção no Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT). As entrevistas, conduzidas pela BBC News Mundo, oferecem uma reconstituição da rotina e das condições internas desta megaprisão, um local de onde poucas informações detalhadas haviam emergido até então.
A Chegada Inesperada e a Detenção
Os migrantes venezuelanos buscavam refúgio ou uma nova vida nos Estados Unidos. Após processos de imigração, foram submetidos a procedimentos de deportação. Em vez de serem enviados diretamente para seu país de origem, foram deportados para El Salvador, um destino inesperado para muitos.
Esta deportação para El Salvador ocorre no âmbito de acordos bilaterais entre os Estados Unidos e o país centro-americano. Tais acordos permitem que migrantes de terceiros países, que transitaram por El Salvador a caminho da fronteira dos EUA, sejam deportados para lá.
Ao chegarem em solo salvadorenho, os oito venezuelanos foram imediatamente detidos. Seu destino foi o CECOT, uma instalação prisional de segurança máxima que se tornou um símbolo da política de segurança do governo de Nayib Bukele.
O Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT)
O CECOT, inaugurado em 2023, é uma das maiores prisões do mundo, com capacidade para abrigar dezenas de milhares de detentos. Sua construção e operação são pilares da “guerra contra as gangues” declarada pelo governo salvadorenho.
Oficialmente, o CECOT foi projetado para isolar membros de gangues e criminosos perigosos, visando desmantelar suas estruturas e reduzir a violência no país. A instalação é apresentada pelas autoridades como um modelo de segurança e controle.
A prisão está localizada em Tecoluca, no departamento de San Vicente, e é caracterizada por sua infraestrutura de alta segurança, incluindo muros perimetrais, torres de vigilância e tecnologia avançada de monitoramento. O acesso ao complexo é restrito, e as informações sobre seu funcionamento interno são escassas.
Relatos da Rotina e Condições
Os testemunhos dos migrantes venezuelanos, que passaram quatro meses no CECOT, fornecem uma visão rara sobre a vida diária dentro da megaprisão. As descrições apontam para um ambiente de rigor extremo e privação.
As condições de confinamento, segundo os relatos, são marcadas pela superlotação em algumas áreas e pela ausência de luz natural. O espaço pessoal é limitado, e o contato com o mundo exterior é praticamente inexistente.
A rotina diária é estritamente controlada e repetitiva. As atividades são mínimas, focando na disciplina e na obediência. O acesso a itens básicos, como higiene pessoal e roupas adequadas, é restrito.
A alimentação é descrita como insuficiente e de baixa qualidade, composta principalmente por rações básicas. O acesso à água potável também é um ponto de preocupação, com relatos de racionamento.
A comunicação com familiares ou advogados é severamente limitada, ou inexistente. Essa falta de contato contribui para um profundo sentimento de isolamento e incerteza sobre o futuro dos detidos.
A assistência médica, conforme os relatos, é precária. Detentos com problemas de saúde enfrentam dificuldades para receber tratamento adequado, o que agrava condições preexistentes ou surgidas durante a detenção.
O ambiente é descrito como psicologicamente desgastante. A constante vigilância, a falta de privacidade e a incerteza sobre a duração da detenção geram estresse e ansiedade significativos entre os internos.
A ausência de atividades recreativas, educacionais ou de reabilitação é uma característica central da rotina. O foco principal é a manutenção da ordem e o controle dos detentos, sem programas voltados para a reintegração social.
A Experiência dos Migrantes Venezuelanos
A situação dos oito venezuelanos é particular, pois não foram detidos por crimes cometidos em El Salvador, mas sim como parte de um processo de deportação internacional. Sua detenção no CECOT, uma prisão de segurança máxima para terroristas e membros de gangues, levanta questões sobre a adequação de seu confinamento.
Durante os quatro meses de detenção, os migrantes enfrentaram a incerteza sobre seu status legal e o motivo exato de sua permanência no CECOT. A falta de acesso a informações claras e a representação legal adequada foi uma constante.
A experiência de serem transferidos de um processo de imigração nos EUA para uma prisão de alta segurança em El Salvador, sem acusações formais no país, adicionou uma camada de confusão e desespero à sua situação.
Os relatos dos venezuelanos destacam a brutalidade percebida no sistema prisional, não necessariamente por violência física direta, mas pela severidade das condições, a privação de direitos básicos e o impacto psicológico do confinamento extremo.
A libertação desses oito indivíduos é um evento notável, considerando a reputação do CECOT como um local de onde poucos saem e cujas rotinas são mantidas em sigilo. Seus testemunhos são, portanto, de grande valor para a compreensão externa da realidade interna da prisão.
O Contexto do Regime de Exceção em El Salvador
A operação do CECOT e as políticas de detenção em massa em El Salvador são parte de um “regime de exceção” implementado pelo governo desde março de 2022. Este regime suspendeu certas garantias constitucionais, como o direito à defesa e o prazo máximo de detenção sem acusação.
Sob o regime de exceção, as forças de segurança têm amplos poderes para realizar prisões sem mandado judicial, resultando na detenção de mais de 70.000 pessoas. O objetivo declarado é combater as gangues que historicamente aterrorizaram o país.
A política de segurança do governo de Bukele tem sido elogiada por muitos salvadorenhos devido à drástica redução nas taxas de homicídio. No entanto, organizações de direitos humanos e organismos internacionais expressam preocupação com as violações de direitos humanos, prisões arbitrárias e mortes sob custódia.
A falta de transparência sobre os processos judiciais e as condições de detenção é uma crítica recorrente. Muitos detidos permanecem em prisões por longos períodos sem julgamento ou acesso a advogados, o que levanta questões sobre o devido processo legal.
A comunidade internacional, incluindo a Organização das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tem monitorado de perto a situação em El Salvador, pedindo respeito às garantias fundamentais e investigações sobre as denúncias de abusos.
A Importância dos Testemunhos
Os relatos dos oito migrantes venezuelanos são cruciais porque oferecem uma das poucas descrições detalhadas e de primeira mão sobre a vida dentro do CECOT. A natureza isolada da prisão e a política de sigilo governamental tornam esses testemunhos particularmente valiosos.
Essas contas contribuem para um entendimento mais completo das condições de detenção em El Salvador sob o regime de exceção. Elas adicionam uma perspectiva humana às estatísticas e relatórios gerais sobre a situação dos direitos humanos no país.
Ao descreverem a rotina, as privações e o impacto psicológico de sua detenção, os venezuelanos lançam luz sobre os desafios enfrentados por milhares de outros detentos no CECOT e em outras prisões salvadorenhas.
Os testemunhos servem como um registro factual das experiências de indivíduos que passaram por um sistema prisional sob intenso escrutínio internacional. Eles reforçam a necessidade de transparência e de monitoramento independente das condições de detenção.
A divulgação dessas informações pela BBC News Mundo permite que o público global e as organizações de direitos humanos tenham acesso a detalhes que, de outra forma, permaneceriam desconhecidos, contribuindo para o debate sobre as políticas de segurança e seus impactos na população.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/crlzewy78gyo?at_medium=RSS&at_campaign=rss