Doença demorou 38 anos para ser diagnosticado – Durante anos, Brunno Falcão, 41, ouviu que suas dores eram “frescura”. Mesmo em contato diário com profissionais da saúde, o empresário só recebeu o diagnóstico da Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) aos 38 anos, depois de uma vida marcada por dor crônica, fadiga e lesões recorrentes.
Nascido em Brasília e vindo de uma família simples, ele convive com os sintomas da síndrome desde a infância. “Sempre tive muita dor, mas cresci com pouco acesso a um sistema de saúde de qualidade. Havia negligência, falta de conhecimento de profissionais e até mesmo dos meus pais, que não tinham culpa. Ainda hoje há muita desinformação sobre a SED”, afirma.
Mesmo na fase adulta, quando passou a ter melhores condições e acesso direto a médicos, a situação não mudou.
“Trabalho há 23 anos com educação para profissionais da saúde e, nesse tempo todo, nenhum médico sequer cogitou a possibilidade de eu ter uma síndrome. Sempre convivi com dores e lesões. Chegou um ponto em que eu simplesmente desisti. Decidi viver com dor”, resume.
Essa dificuldade de acesso ao diagnóstico não é incomum, mesmo entre pacientes que procuram atendimento médico com frequência. Segundo o neurologista Welber Oliveira, da clínica CEHD, em Brasília, a principal razão é o desconhecimento da síndrome por parte dos profissionais de saúde.
“Além disso, não há um exame laboratorial ou de imagem que confirme o diagnóstico do subtipo hipermóvel, que é o mais comum, sendo necessário um exame físico completo e escuta clínica qualificada”, ensina.
O diagnostico veio apenas em 2021, por insistência da esposa de Brunoo, que procurou uma clínica especializada em dor. “Na primeira consulta, a médica descreveu sensibilidades minhas que eu nem tinha mencionado. Ela parecia me conhecer mais do que eu mesmo. Só depois disso é que comecei a entender o que eu tinha. Passei por avaliação genética e, finalmente, recebi o diagnóstico de Síndrome de Ehlers-Danlos”, conta.
Sintomas inespecíficos
A SED é uma condição hereditária do tecido conjuntivo que pode afetar diversos sistemas do corpo, como o musculoesquelético, cardiovascular, gastrointestinal e neurológico, entre outros. Justamente por isso, os sintomas costumam surgir de forma fragmentada e, muitas vezes, são atribuídos a causas distintas e desconexas.
“O paciente com SED, especialmente do subtipo hipermóvel, costuma ter histórico de articulações muito flexíveis desde a infância, além de dor crônica e fadiga intensa”, afirma Welber.
Entre os sinais que podem levantar suspeita estão sono não reparador, tontura, palpitações, desmaios, náuseas ao ficar em pé por muito tempo, alterações gastrointestinais, intolerâncias alimentares e reações alérgicas.
Segundo o neurologista, muitos desses sintomas são confundidos com outras condições, como a fibromialgia, o que contribui para diagnósticos equivocados.
A doença afeta a produção de colágeno e pode provocar dores articulares, fadiga, luxações e outros sintomas. A síndrome não tem cura, mas pode ser controlada. No caso de Brunno, os principais sintomas são dor crônica e fadiga generalizada.
“Neste momento, por exemplo, estou com dor nas costas, pescoço, lombar e na perna direita. Mas já estive pior. Na época do diagnóstico, eu acordava e passava meia hora massageando a panturrilha porque não conseguia pisar no chão”, relata.
Tratamento e mudanças no estilo de vida
Desde que recebeu o diagnóstico, Brunno faz tratamento mensal com bloqueio simpático venoso, técnica que ajuda a modular a dor. Em quadros mais intensos, as aplicações são feitas quinzenalmente ou até semanalmente. Ele também usa medicamentos controlados e leva uma bolsinha com os remédios sempre que viaja.
Mas a maior mudança veio com o entendimento sobre a própria condição. “A principal melhora foi o conhecimento. Entendi o que posso ou não fazer. A SED não me impede de tudo, mas exige preparo. Se eu quiser correr, preciso fazer fisioterapia e fortalecimento muscular. Hoje, escolho respeitar meus limites”, explica Brunno.
O neurologista reforça que, sem diagnóstico e tratamento adequados, os riscos se acumulam. “A instabilidade das articulações, se não for tratada com fortalecimento muscular, pode levar a lesões repetidas, microtraumas e desgaste precoce. Além disso, sintomas como desmaios, intolerância ortostática e dor crônica tendem a piorar, comprometendo a qualidade de vida”, alerta Welber.
Brunno também precisou mudar a alimentação, trocar calçados e adaptar sua rotina.
“Foi um alívio saber que a dor tinha um nome. Chorei muito. Ao mesmo tempo que veio o susto, veio o conforto. Finalmente, eu podia pesquisar, entender, me cuidar de forma direcionada. Desde então, minha qualidade de vida melhorou bastante”, desabafa ele.
Missão de conscientizar – doença demorou 38 anos para ser diagnosticado
Apesar das dificuldades, Brunno se considera privilegiado. “Sou muito enérgico. Para quem tem Ehlers-Danlos, isso é raro. Tento usar isso para ajudar outros pacientes e falo sobre a doença sempre que posso. Quero que outras pessoas descubram mais cedo do que eu”, afirma.
A missão de conscientizar se tornou parte de sua vida. “Me senti sozinho quando recebi o diagnóstico porque ninguém ao meu redor, mesmo os profissionais da saúde, sabia o que era. Mas agora que sei, faço questão de compartilhar. Isso pode mudar a vida de alguém”, finaliza.
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