A complexa realidade da **devolução de crianças adotadas** é o foco principal do documentário “E se você não me quiser?”, atualmente em fase de produção. A obra cinematográfica mergulha nas questões sensíveis das adoções interrompidas e nas subsequentes dificuldades enfrentadas para uma nova integração familiar após o rompimento do vínculo inicial. Com as filmagens iniciadas em cidades como Rio de Janeiro e Curitiba neste mês, a previsão é que o filme seja lançado ao público no primeiro semestre de 2026.
A concepção do projeto remonta a 2011, quando o produtor Eliton Oliveira se deparou com uma reportagem que abordava o tema da devolução de crianças. Desde então, Oliveira dedicou anos à pesquisa aprofundada sobre o assunto, consultando uma vasta gama de especialistas – incluindo médicos, psicólogos, advogados e representantes de conselhos tutelares – até consolidar as histórias reais que compõem o documentário.
Devolução de Crianças Adotadas: Documentário Explora o Tema
No Rio de Janeiro, local onde as gravações já estão em andamento, o documentário narra as experiências marcantes de dois jovens: Bruno e Pedro. A trajetória de Bruno é particularmente comovente: após viver nas ruas com a mãe, ele foi levado a um abrigo, adotado e, infelizmente, devolvido antes de conseguir uma segunda oportunidade de acolhimento familiar. Pedro, por sua vez, foi adotado por um casal de mulheres, mas a ausência da figura paterna idealizada por ele resultou em um processo de adaptação doloroso e repleto de traumas, levando-o a expressar o desejo de ser devolvido.
A diretora do documentário, Ana Azevedo, destaca a história de Bruno, localizada em Vargem Grande, no Rio. Segundo ela, Bruno vivia com uma mãe usuária de drogas e alcoólatra, fugindo de maus-tratos. Ele permaneceu em um abrigo por nove meses e tomou a difícil decisão de ser adotado. Contudo, a primeira família adotiva não conseguiu manejar a “carga” emocional do menino e o devolveu. A cineasta explica que, nove meses depois, Bruno foi adotado por Tati e Rogério, que também são personagens centrais do filme. Azevedo relata que Bruno era um menino com grande agressividade e explosões frequentes, chegando a destruir a casa e a se automutilar em diversos episódios de violência. Apesar das dificuldades, Tati e Rogério o enxergavam como filho e conseguiram lidar com sua história pregressa.
O Desafio da Preparação Familiar no Processo Adotivo
Para Ana Azevedo, a visão do processo de adoção frequentemente é superficial, focando apenas na “parte bonita” de uma família que se abre para receber uma criança. Ela enfatiza a necessidade de as famílias estarem “muito preparadas para receber qualquer criança”. A ausência desse preparo adequado é apontada como a principal causa dos casos de devolução. A diretora ressalta que o documentário tem como objetivo principal provocar um debate amplo, para que as pessoas que consideram a adoção estejam plenamente cientes dos desafios que terão de enfrentar.
A cineasta ainda reforça a imensa responsabilidade dos pais adotivos, alertando que a devolução de uma criança, motivada pela falta de adaptação ao convívio familiar, pode gerar consequências psicológicas severas. Ana Azevedo explica que essas crianças já chegam com uma “bagagem gigantesca”, frequentemente vindas de periferias, com históricos de abuso e negligência familiar. A devolução subsequente, por parte da família adotiva, agrava ainda mais esses traumas pré-existentes.
Dados Alarmantes e a Irrevogabilidade da Adoção
A gravidade das situações retratadas no documentário é corroborada por dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, aproximadamente nove a cada 100 crianças adotadas no Brasil têm seu processo de adoção desfeito. Desde 2019, o sistema registrou um total de 24.673 crianças e adolescentes adotados no país, dos quais 2.198 foram devolvidos a instituições de acolhimento, representando uma taxa de 8,9%.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabeleça que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, juizados da infância, em circunstâncias específicas, acabam por deferir pedidos de devolução. Essa decisão é tomada para evitar que a criança ou adolescente seja exposta a situações de maus-tratos, abusos, humilhações, indiferença e descaso dentro da família que manifesta o desejo de desistir da adoção. Tal realidade foi detalhada no “Diagnóstico sobre a devolução de crianças e adolescentes em estágio de convivência e adotadas”, publicado em 2024 pelo CNJ em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
O documento descreve que, apesar de ser um evento relativamente raro, a **devolução de crianças adotadas** levanta questões cruciais sobre o processo adotivo e a preparação dos pais. Fatores como as características individuais das crianças, a dinâmica familiar, as expectativas dos pais adotivos, variações regionais e a eficácia das equipes de adoção podem influenciar significativamente a decisão de devolver uma criança. A adoção de crianças é um tema de extrema relevância social, demandando atenção contínua. Para mais informações sobre as diretrizes e programas de adoção no Brasil, você pode consultar o portal oficial do Conselho Nacional de Justiça, que oferece dados e normativas detalhadas sobre o assunto.
A Profundidade do Diagnóstico do CNJ e ABJ
O estudo do CNJ e da ABJ destaca que este fenômeno aponta para a necessidade de uma abordagem mais abrangente no processo de adoção. Isso inclui não apenas a preparação e o acompanhamento contínuo dos pais adotivos, mas também a implementação de um sistema de suporte robusto para as crianças em todas as fases da adoção: antes, durante e após a integração familiar.
Ainda que o ECA considere a adoção excepcional e irrevogável, a legislação prevê que a adoção pode ser “abolida” somente quando todos os recursos para a manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa forem esgotados. O diagnóstico conjunto do CNJ e da ABJ explora as razões subjacentes à devolução, revelando, por meio de entrevistas com os responsáveis, que diagnósticos psiquiátricos, uso contínuo de medicamentos e outras questões psicológicas da criança foram fatores que contribuíram para a descontinuidade do processo. Os pais alegaram falta de preparo para lidar com tais situações, o que dificultou a criação de vínculos afetivos.
Os Impactos Psicológicos da Devolução na Infância e Adolescência
O relatório adverte veementemente sobre os profundos efeitos na saúde psicológica e emocional de crianças e adolescentes que vivenciam uma adoção desfeita. Além dos impactos na formação da subjetividade e individualidade de cada um, foram constatadas diversas manifestações negativas, tais como: sentimentos de culpa, tristeza e baixa autoestima; comportamentos agressivos e outras reações que geram convivências conflituosas; significativa dificuldade de vinculação; e o desenvolvimento de transtornos psicológicos graves, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
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Este documentário e as pesquisas associadas lançam luz sobre uma realidade complexa e muitas vezes silenciada, enfatizando a necessidade de uma sociedade mais consciente e preparada para lidar com os desafios da adoção. Para continuar acompanhando notícias e análises sobre temas importantes como este e outros tópicos relacionados a direitos humanos e questões sociais, mantenha-se conectado à nossa editoria e explore nosso conteúdo em Direitos Humanos.
Crédito da imagem: E se você não me quiser/Divulgação