A moda marajoara ganha destaque através do esforço e talento de mulheres artesãs e costureiras da Ilha de Marajó, no Pará. Elas estão reescrevendo a história da arte ancestral, transformando grafismos indígenas em peças de vestuário e acessórios que conquistam o mercado nacional, ao mesmo tempo em que buscam a valorização de seus saberes e melhores condições de vida. Este movimento de resgate cultural e empreendedorismo feminino floresce em municípios como Soure e Salvaterra, impulsionado por iniciativas de apoio e a proximidade de grandes eventos, como a COP30.
Em Soure, Dona Cruz, uma costureira de 77 anos, é um dos pilares dessa revolução silenciosa. Em sua residência e ateliê, ainda com paredes no reboco, ela dedica seus dias à confecção de trajes de gala marajoaras. Essas peças, frequentemente camisas de botão, são destinadas a eventos especiais e festividades. A elaboração de cada item exige um trabalho manual minucioso, demandando de um a três dias, dependendo da complexidade. O tecido de algodão é cuidadosamente adornado com fitas bordadas à linha, reproduzindo os intrincados grafismos inspirados nas cerâmicas indígenas milenares da região.
Moda Marajoara: Mulheres Revitalizam Arte Ancestral no PA
Os clientes de Dona Cruz incluem autoridades e fazendeiros, e a demanda por suas criações experimentou um aumento significativo em 2023. Isso ocorreu após o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), vestir uma de suas peças na Cúpula da Amazônia. A repercussão do traje, que reflete a autenticidade e a riqueza cultural do Marajó, impulsionou a procura pela costureira, que atualmente envia seus produtos por Correios para diversas cidades brasileiras, como Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Apesar do reconhecimento crescente, Dona Cruz enfrenta o desafio de reverter o sucesso de suas criações em uma melhoria substancial de suas condições de vida. “Geralmente, o que eu ganho da venda das camisas, eu gasto na compra de novos materiais. Para quando o cliente chegar, ter sempre algo disponível. Eu trabalho por conta própria, sem empréstimos. E o dinheiro da aposentadoria fica para as despesas da casa”, explica a artesã. Os preços das roupas variam entre 290 e 410 reais, dependendo do tamanho e do modelo, como manga curta ou longa, P ou G. O maior benefício, para ela, tem sido a possibilidade de se manter ativa e aprender continuamente. “Trabalhava como inspetora de colégio e depois me aposentei. Quando fiquei viúva, para não ficar sem fazer nada, eu me dediquei às camisas. É bom para manter a cabeça ocupada e não ficar pensando em outras coisas, né?”, relata.
No apoio à sua jornada empreendedora, Dona Cruz recebeu uma máquina de costura industrial, fruto de uma colaboração entre a prefeitura de Soure e o governo estadual. Além disso, ela foi beneficiada com orientações estratégicas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do programa Polo de Moda do Marajó. As capacitações abrangeram aspectos cruciais como formação de preços, táticas de vendas, aprimoramento na apresentação dos produtos – incluindo o uso de embalagens adequadas – e acesso a novos mercados.
Renata Rodrigues, gerente do Sebrae no Marajó, enfatiza o impacto transformador do Polo de Moda do Marajó. “O Polo de Moda do Marajó tem transformado a vida das participantes ao gerar oportunidades de renda, resgatar saberes tradicionais e fortalecer a autoestima das mulheres envolvidas. Ao profissionalizar a produção, estimular o empreendedorismo e conectar essas artesãs e costureiras a novos mercados, o Polo promove inclusão produtiva, autonomia econômica e valorização cultural”, destaca Rodrigues. Em outubro, Dona Cruz compartilhará seu conhecimento em um curso de camisaria marajoara promovido pelo Sebrae, um esforço vital para preservar essa técnica de bordado, dominada por poucos. Seu próprio mestre, conhecido como Baiano, faleceu devido à Covid-19, e ela foi a única de suas dez alunas a concluir o aprendizado.
A resiliência e a paixão pela arte marajoara também são personificadas em Rosilda Angelim, uma artesã e costureira quilombola de 56 anos, residente em Salvaterra. Sua jornada, da cerâmica ancestral às passarelas contemporâneas, é um testemunho de superação. Antes de se dedicar integralmente à arte, Rosilda trabalhou como professora e funcionária pública. Após perder o emprego, enfrentou dificuldades financeiras e depressão, encontrando na costura e no grafismo marajoara, há 16 anos, uma nova razão para viver. “Foi como um empurrão. Eu comecei na costura há uns 30 anos, mas há 16 me encontrei de verdade no grafismo marajoara”, conta. Seu propósito vai além do sustento: “O meu objetivo é divulgar a minha cultura. Quero que o mundo conheça o Marajó.”

Imagem: Marcelo Camargo via agenciabrasil.ebc.com.br
Atualmente, Rosilda lidera um ateliê com seis colaboradores, onde produz roupas e acessórios que celebram a identidade amazônica e a estética marajoara. Suas peças são comercializadas em lojas de Belém e atraem compradores de outras regiões do país. A sustentabilidade é um pilar de seu trabalho, utilizando tecidos 100% algodão e promovendo o reaproveitamento de sobras de material. “Nada fica parado. O que sobra, a gente doa para mulheres que fazem tapetes e outros artesanatos. É bom para o meio ambiente e ajuda famílias”, explica Rosilda. Com a aproximação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, a expectativa é de um aumento significativo na produção e na visibilidade de sua arte. “A gente tem que acreditar que a COP vem trazer coisa boa. Não só para o clima, mas para a cultura em geral, nossa culinária, nosso artesanato, nossa biojoia. A gente vai se agarrando nisso e preparando um volume maior de peças para o período. O meu objetivo é ganhar dinheiro, claro, não quero ser hipócrita, mas também quero divulgar a minha cultura para todos”, afirma a artesã.
Glauciane Pinheiro, de 40 anos, de Soure, representa uma nova geração de empreendedoras que abraçam a moda marajoara. De professora de francês a costureira e designer, sua trajetória começou em um curso de costura industrial, mesmo sem nenhuma experiência prévia. “Eu estava desempregada, passando por um momento emocional difícil. Entrei mais para me distrair, mas acabei me encontrando na costura”, relembra Glauciane. Esse novo caminho despertou seu interesse por estamparia e criação de coleções. Com o apoio do marido, que a presenteou com duas máquinas, ela montou seu ateliê em casa e lançou a marca Mang Marajó. Suas criações, que incluem roupas com estampas autorais e bordados, contam com a colaboração de famílias e grupos terceirizados da região. Glauciane enxerga no turismo local uma oportunidade concreta de expansão. “Desde que começaram os preparativos para a COP30, a cidade está diferente. Tem mais movimento, mais turistas. Eu recebo gente todos os dias, até de noite ou aos domingos”, relata. Sua visão é clara: “A gente acredita que o turismo pode sustentar o Marajó. E eu quero viver disso, da cultura e da arte.”
A esperança compartilhada por essas mulheres e outros atores do setor é que a COP30, em novembro, represente um divisor de águas para a moda no Pará, trazendo maior visibilidade e mais investimentos públicos. No entanto, os desafios persistem, incluindo o acesso limitado a equipamentos modernos, a necessidade de capacitações técnicas contínuas, canais de comercialização eficientes e financiamento. Para impulsionar a situação dessas artesãs, a diretora do Sebrae, Renata Rodrigues, salienta a importância de “fortalecer as parcerias institucionais, ampliar o acesso a mercados (digitais e físicos), investir em formação empreendedora e garantir políticas públicas que sustentem esse processo de desenvolvimento local com identidade.”
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O percurso dessas mulheres no resgate e na projeção da moda marajoara é um exemplo inspirador de como a tradição pode se reinventar para o futuro. Sua dedicação não apenas preserva um patrimônio cultural valioso, mas também constrói um caminho para o desenvolvimento econômico e a autonomia feminina no coração da Amazônia. Continue acompanhando as notícias em nossa editoria de Cidades para ficar por dentro das iniciativas que transformam o Brasil e valorizam sua rica cultura.
Crédito da Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil