A experiência da jornalista Ghada al-Alkurd na Faixa de Gaza revela um testemunho pungente dos impactos humanos e sociais do prolongado conflito na região. Em meio a uma rotina de desafios e perdas, Ghada, de 39 anos, narra a drástica transformação de sua vida e da sociedade palestina desde o início dos intensos ataques em 7 de outubro de 2023.
Dois meses antes do fatídico 7 de outubro, Ghada havia retornado a Gaza após concluir seu mestrado em comunicação em Istambul, onde residiu por quatro anos. Ela recorda com clareza a sexta-feira, 6 de outubro de 2023, um dia que representaria a última sensação de tranquilidade em sua vida. Naquela manhã, a jornalista encontrou-se com irmãs e amigos em um café no oeste da Cidade de Gaza, próximo à fronteira palestina, desfrutando de uma refeição com arroz, pão e carne. Eles planejavam um novo encontro para o dia seguinte, desta vez para comer peixe. Ghada ainda se maravilhava com as novidades da cidade — as luzes, os edifícios modernos e os novos cafés que surgiram em sua ausência.
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Naquela noite derradeira de paz, a jornalista foi às compras de sobremesas com um amigo, apreciando a paisagem urbana antes de se recolher para o descanso. Contudo, ao amanhecer de 7 de outubro, a percepção de Ghada mudou radicalmente. O que se desenrolava era, para ela, um prenúncio de uma guerra sem precedentes, superando todos os conflitos anteriores. A jornalista, inicialmente, estimava que a hostilidade duraria cerca de seis meses, jamais imaginando que se estenderia por dois anos de ataques incessantes e mortes.
As consequências do conflito ultrapassaram qualquer expectativa, afetando profundamente a saúde física e mental de Ghada. Ela relata ter perdido 12 quilos e não sentir suas próprias feridas ou músculos, uma manifestação do esgotamento extremo. A constante necessidade de se deslocar e adaptar-se a novas realidades tornou-se parte de seu cotidiano. “Não tenho a possibilidade de ficar doente, tenho que cuidar de mim mesma, das minhas filhas, do meu trabalho”, afirma a jornalista, evidenciando a pressão contínua pela sobrevivência e pela responsabilidade familiar e profissional.
Além do impacto individual, Ghada al-Alkurd observa uma profunda alteração na coesão social da comunidade palestina. Ela percebe que a solidariedade que antes unia as pessoas foi, em parte, substituída por um comportamento mais individualista, onde cada um busca seus próprios interesses para benefício pessoal. Essa mudança comportamental, segundo ela, é uma direta consequência da guerra, moldando a atitude dos seres humanos em meio ao caos.
Desde sua formação na Universidade de Gaza, Ghada tem trabalhado como repórter para diversas agências e veículos internacionais. Com o início da guerra, essa função se intensificou, tornando-se um pilar de sua existência. Apesar da imensa pressão mental e física – incluindo episódios de febre e tosse durante a entrevista – ela não se permite parar. “O trabalho é a única coisa que me mantém viva”, confessa, expressando a dedicação e a força que encontra em sua profissão.
A situação educacional de suas duas filhas, Fatima e Mira, de 11 e 13 anos, respectivamente, é outra preocupação central para Ghada. Há dois anos, elas, como todas as crianças do território, estão privadas do acesso à escola. Inicialmente, os edifícios escolares foram convertidos em abrigos para pessoas deslocadas. Contudo, durante o conflito, essas mesmas estruturas foram alvo de ataques por parte do Exército de Israel, sob a alegação de esconderem membros do grupo Hamas. A falta de educação formal afeta gravemente o futuro dessas crianças e jovens, que Ghada observa “brincando, perseguindo caminhões por comida, por água ou qualquer coisa”, em vez de estarem nas salas de aula.
A guerra também trouxe perdas pessoais irreparáveis para a jornalista. Seu pai faleceu devido à escassez de recursos de saúde. Ele necessitava de tratamento especializado após um derrame cerebral, mas a medicação essencial se tornou indisponível. “Então, um dia, acordamos de manhã e olhamos para ele. Ele não estava se movendo, e percebemos que ele havia falecido”, relata Ghada, descrevendo a dolorosa realidade da falta de acesso a cuidados médicos básicos.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A série de perdas familiares não parou por aí. Um de seus irmãos foi morto em um dos ataques recentes de Israel, e Ghada lamenta não ter tido tempo para o luto. “Em Gaza não há tempo para o luto, só seguimos tentando sobreviver”, desabafa. Ela também recorda que outro irmão havia falecido durante a Operação Chumbo Grosso, em 2008, um conflito que resultou na morte de mais de 1.300 palestinos e 13 israelenses. Em meio a tanta tragédia, Ghada expressa gratidão pela mãe, falecida em 2007 de câncer. “Sempre agradeço ao meu Deus que minha mãe não tenha testemunhado o assassinato dos meus irmãos e até mesmo do marido dela”, diz, convicta de que a mãe não teria suportado tamanha dor.
Apesar da incerteza sobre os planos de cessar-fogo e a duração da guerra, Ghada al-Alkurd se apega às memórias de sua família e de um passado mais feliz. Ela relembra a casa da família, outrora rodeada por laranjeiras e oliveiras, que foi destruída no conflito. As lembranças do casamento de seu irmão, celebrado em casa com a família unida e feliz, trazem um misto de saudade e tristeza. “A maioria dos nossos primos e parentes está morrendo ou foi morta nesta guerra, e até nossa casa foi destruída”, lamenta. O desejo de retornar ao seu bairro de origem, onde se sentia verdadeiramente confortável, permanece um sonho distante e incerto para a jornalista.
Para mais informações sobre o impacto humanitário do conflito na região, consulte os relatórios e notícias da Organização das Nações Unidas, uma fonte confiável sobre a situação. Acesse https://www.un.org/pt/topic/palestine para aprofundar seu conhecimento sobre o assunto.
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O relato da jornalista Ghada al-Alkurd oferece uma perspectiva crucial sobre a complexidade e a devastação do conflito na Faixa de Gaza, destacando a resiliência e o sofrimento diário de seus habitantes. Para acompanhar as últimas análises e notícias sobre questões internacionais e conflitos globais, continue explorando nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Reprodução/International Federation of Journalists no Instagram