O Círio de Nazaré em Belém transforma a capital paraense em um epicentro de fé e tradição católica. Antes mesmo da chegada de outubro, a cidade já respira os preparativos para o que os organizadores e parte da Igreja Católica descrevem como a maior procissão religiosa do mundo. A devoção à Nossa Senhora de Nazaré permeia cada canto da metrópole, fazendo com que a iminência da COP30, a conferência climática da ONU, pareça um evento distante diante da intensidade da celebração.
As ruas de Belém ganham uma nova paisagem, adornada com elementos que remetem à festividade. Casas, prédios comerciais e lojas exibem cordas decorativas em portas e entradas, enquanto imagens da Virgem de Nazaré, enfeitadas com flores e fitas coloridas, proliferam por toda parte. A atmosfera de expectativa é palpável, e as conversas cotidianas giram em torno dos detalhes do grande evento, desde o tradicional almoço de domingo com iguarias paraenses até a chegada de familiares e as diversas celebrações, religiosas ou sociais, que compõem o extenso calendário do Círio.
Círio de Nazaré Belém: Devoção Supera COP30 na Capital Paraense
A grandiosidade do Círio de Nazaré em Belém é evidenciada pelos números. A Igreja Católica na capital paraense estima a presença de 2 milhões de pessoas ao longo dos dias de celebração, considerando a movimentação geral. A projeção para turistas é de 100 mil visitantes, um aumento de 10% em comparação com o ano anterior. Em contraste, a COP30, que ocorrerá em novembro, registra até o momento 55 mil inscritos, segundo dados dos governos federal e do Pará, mostrando uma diferença significativa no engajamento popular imediato.
A festa católica, que honra Nossa Senhora de Nazaré há 233 anos, possui reconhecimento internacional, sendo declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). As celebrações de 2025 tiveram seu início oficial na terça-feira (7), às 18h, com uma missa de abertura realizada na imponente Basílica Santuário de Nazaré, local de grande simbolismo para os fiéis.
A tradição católica aponta que a região onde hoje se ergue a basílica foi o local onde, em 1700, uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré foi encontrada. Diante do crescente fervor e devoção à santa, os paraenses organizaram a primeira procissão em sua homenagem no ano de 1793, estabelecendo um legado que perdura por séculos e se expande anualmente.
Cada etapa do Círio de Nazaré é um acontecimento à parte. A revelação do cartaz oficial já foi realizada, marcando o início da contagem regressiva. A divulgação do manto que adornará a imagem neste ano está programada para a próxima quinta-feira (9). O calendário festivo inclui uma Romaria Fluvial, que ocorre no sábado (11) pela Baía do Guajará, com a participação de 200 a 300 embarcações, colorindo as águas da região. No mesmo dia, uma Romaria de Motos reúne aproximadamente 15 mil veículos de duas rodas, evidenciando a diversidade de manifestações de fé.
Ao todo, quatorze procissões distintas são realizadas, cada uma com seu significado e percurso. Muitos peregrinos percorrem longas distâncias, vindo de cidades vizinhas para participar ativamente do Círio, expressando sua devoção em longas caminhadas de fé e promessas.
A segurança e o suporte aos fiéis são garantidos por uma estrutura robusta, envolvendo cerca de 27 mil pessoas, conforme informações da organização. Este contingente inclui militares das Forças Armadas, servidores de todas as esferas de governo e uma “Guarda de Nazaré”, composta por 3.000 homens voluntários que auxiliam na organização e acolhimento dos devotos.
Os pontos altos da programação são a Trasladação, na noite de sábado (11), quando a imagem de Nossa Senhora de Nazaré é conduzida da basílica até a Catedral de Belém, na Cidade Velha, e o Círio propriamente dito, que marca o retorno da imagem à basílica no domingo (12), a partir das 7h da manhã. Estes dois momentos atraem a maior concentração de pessoas e são considerados o ápice da celebração.
É durante a Trasladação e o Círio que a icônica corda, confeccionada com fibra amazônica produzida em Castanhal, a 70 km de Belém, é estendida, transformando-se em um dos símbolos mais emblemáticos da procissão. Com 400 metros de extensão, a corda é posicionada às 14h de sábado e na madrugada de domingo, a partir da 1h30. Devotos chegam cedo para garantir seus lugares, buscando pagar ou fazer promessas e agradecer por graças alcançadas. Ao final das procissões, pedaços dessa corda são disputados e guardados como relíquias de fé.
Dada a vasta aglomeração e os riscos inerentes a multidões, especialmente em um dos meses mais quentes do verão amazônico, a organização dispõe de 20 a 30 postos de atendimento médico ao longo do trajeto. Mesmo com essa estrutura, dezenas de fiéis precisam buscar assistência hospitalar devido a intercorrências durante o evento, conforme os dados de anos anteriores.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A diretoria do Círio de Nazaré informou que a realização da COP30 não impactou os preços de hotéis e casas para o período da festa, uma vez que o evento está profundamente enraizado na rotina dos paraenses católicos. A organização do alojamento para parentes que residem na capital já é uma prática estabelecida. O tradicional almoço de Círio, comparado por muitos a um segundo Natal, celebra a união familiar com pratos típicos como maniçoba e pato com tucupi, servidos nas mesas das casas.
Para a COP30, que espera mais de 50 mil pessoas de quase 200 países, a situação da hospedagem é contrastante. Belém enfrenta uma crise persistente de alojamento desde janeiro, marcada pela cobrança de preços considerados abusivos para leitos em hotéis e imóveis de temporada. Em resposta, o governo federal, na pessoa do presidente Lula (PT), anunciou que entrará com ações judiciais contra os estabelecimentos hoteleiros em razão dessas práticas predatórias.
A cúpula de chefes de Estado e de governo da COP30 está agendada para os dias 6 e 7 de novembro. Em uma agenda realizada em Belém na sexta-feira (3), o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, ressaltou que a presença de “todos os atores que a gente quer que venham” ainda depende de preços de hotéis mais acessíveis para os participantes.
Ainda que o foco principal seja a devoção, o Círio de Nazaré também servirá como palco para pautas ambientais. Organizações como a Repam-Brasil (Rede Eclesial Pan-Amazônica) e a Articulação Igreja Rumo à COP30 planejam distribuir fitinhas, ventarolas e faixas que conectarão a festa católica à agenda ambiental. O tema do Círio deste ano, “Maria, mãe e rainha de toda a criação”, é uma alusão direta à questão ambiental, segundo Antônio Luís de Sousa, coordenador do Círio há 21 anos. “A igreja quis mostrar quem é o autor de toda criação, com o olhar de mãe”, explicou Sousa. A organização do evento é responsabilidade da Arquidiocese de Belém.
Em paralelo ao calendário estritamente religioso, uma série de festas se desdobra, atraindo tanto devotos quanto não-devotos. Embora a Igreja não as incorpore oficialmente à programação, também não se opõe de forma ostensiva à sua realização. Uma das mais renomadas é a Festa da Chiquita, que acontece logo após a Trasladação, no sábado, na Praça da República, um espaço público. Esta celebração, que existe há 49 anos, é um evento tradicionalmente voltado ao público LGBTQIAPN+. Em 2025, a festa incorporará a COP30 em seu horizonte temático: “Chiquita na COP30: exclusão social e os riscos para a população LGBTQIAPN+ na Amazônia”, buscando uma conexão entre a celebração cultural e as discussões climáticas e sociais.
O Círio de Nazaré, com sua rica tapeçaria de fé, cultura e tradição, segue cativando milhões e reafirmando sua posição como um dos eventos mais expressivos do Brasil. Sua capacidade de mobilizar a população e de coexistir, mesmo que em contraste, com grandes eventos internacionais como a COP30, demonstra a profundidade de sua influência em Belém e no Pará. Para aprofundar-se em eventos que transformam cidades e discussões relevantes sobre a gestão urbana e cultural, convidamos você a continuar explorando nossa editoria de Cidades em nosso portal.
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Em resumo, o Círio de Nazaré é um fenômeno de devoção que transcende o tempo, unindo gerações e manifestando a identidade cultural de Belém de forma grandiosa. Enquanto a cidade se prepara para receber a COP30, a prioridade e o fervor dos paraenses permanecem firmemente ancorados na veneração a Nossa Senhora de Nazaré, a padroeira que mobiliza corações e multidões. Continue conosco para mais notícias e análises sobre os eventos que moldam o cenário nacional e global.
Crédito da imagem: Ricardo Stuckert – 12.out.24/Divulgação/PR