A Igreja Católica tem sido criticada por sua morosidade em responder às necessidades de vítimas de abuso sexual por parte do clero. Em um relatório anual divulgado nesta quinta-feira (16), a Comissão de Proteção à Criança do Vaticano expressou veementes ressalvas aos líderes católicos graduados, apontando a insuficiência de ações rápidas tanto para amparar as vítimas quanto para instaurar medidas de proteção efetivas em escala global.
Por décadas, a instituição, que congrega cerca de 1,4 bilhão de fiéis, tem sido assombrada por escândalos de abuso e encobrimento que reverberaram por todo o mundo. Tais ocorrências não apenas minaram drasticamente sua credibilidade, mas também resultaram em pagamentos de centenas de milhões de dólares em indenizações.
Igreja Católica Lenta em Apoio a Vítimas de Abuso, Diz Comissão
O mais recente documento da comissão não poupa críticas à liderança eclesiástica. Ele destaca a falha em fornecer informações cruciais às vítimas sobre o progresso de suas denúncias de abuso ou sobre a aplicação de sanções a bispos que demonstraram negligência. O relatório também aponta que a própria comissão nem sempre recebeu respostas completas ou detalhadas aos seus pedidos de informação sobre os protocolos de proteção vigentes. “Em muitos casos, as vítimas relatam que a Igreja respondeu com acordos vazios, gestos performativos e uma recusa persistente de se engajar com as vítimas de boa-fé”, sublinha o relatório, evidenciando uma lacuna significativa entre as expectativas das vítimas e a resposta institucional.
Atuação e Desafios da Comissão Vaticana
Fundada pelo Papa Francisco em 2014, a Comissão de Proteção à Criança do Vaticano enfrentou desafios consideráveis ao longo de sua existência, incluindo a saída de vários de seus membros. Apenas no ano passado, o grupo conseguiu publicar seu primeiro relatório anual. O documento atual, com 103 páginas, representa o trabalho mais substancial da comissão até o momento, caracterizado por suas críticas contundentes à liderança da Igreja, embora sem nomear indivíduos específicos.
A pauta central do relatório é a questão das reparações para as vítimas de abuso, mas ele também procede a uma avaliação detalhada dos esforços de proteção da Igreja em 22 nações distintas e em um departamento de alto escalão do Vaticano. O departamento em questão é o Dicastério para a Evangelização, uma vasta estrutura responsável por supervisionar as operações da Igreja na maioria das nações em desenvolvimento. A investigação revelou que este dicastério possui apenas um funcionário encarregado de lidar com as complexas questões de proteção. Adicionalmente, a falta de clareza na distribuição de tarefas relacionadas a casos de abuso com outros departamentos do Vaticano “pode criar confusão e atrasos no início das investigações e no tratamento das queixas”, conforme o relatório. A proteção de menores, tema de crescente atenção global, tem sido constantemente abordada por organizações internacionais, conforme relatórios da ONU sobre o tema. Leia mais sobre a importância da proteção infantil no cenário mundial.
Diferenças Regionais na Resposta aos Abusos
Entre os países examinados pelo relatório, a Itália, um tradicional bastião católico, foi destacada por sua demora em confrontar os abusos perpetrados pelo clero. O documento critica os bispos italianos por não cooperarem de perto com a comissão do Vaticano, revelando que um questionário sobre práticas de proteção, enviado a todas as 226 dioceses católicas do país, obteve resposta de apenas 81 delas. Em contraste, a Coreia do Sul, outro país avaliado, demonstrou 100% de participação, evidenciando uma disparidade notável no engajamento e na transparência entre as diferentes jurisdições eclesiásticas.
O Legado Papal e a Luta por Transparência
A comissão antiabuso é uma iniciativa pioneira na história da Igreja Católica. O Papa Francisco, que faleceu em abril deste ano, havia estabelecido o combate ao abuso clerical como uma das prioridades de seu papado de doze anos, embora com resultados variados. Seu sucessor, o Papa Leão XIV, eleito em maio para assumir o pontificado, já se reuniu diversas vezes com os membros da comissão e, em julho, nomeou um arcebispo francês como novo presidente do grupo, sinalizando a continuidade da atenção à pauta.
Uma das principais reformas introduzidas por Francisco foi a criação de um sistema global que permite aos católicos denunciar suspeitas de abuso ou acobertamento por parte dos bispos. Apesar desses avanços, sobreviventes e defensores das vítimas continuam a clamar por mais ações, incluindo a implementação de uma política global de tolerância zero para sacerdotes acusados de abuso, reforçando a necessidade de medidas mais rigorosas e abrangentes.
O relatório desta quinta-feira também critica a falta de transparência do Vaticano em relação às circunstâncias em que bispos são afastados do cargo devido a questões ligadas a abuso ou encobrimento. Historicamente, o Vaticano raramente divulga as razões para a remoção de um bispo, mesmo em casos envolvendo tais delitos, preferindo anunciar simplesmente que o Papa aceitou a renúncia do prelado. O relatório enfatiza que “a falta de responsabilidade dos líderes da Igreja foi uma questão frequentemente levantada pelas vítimas”, reforçando a demanda por clareza. A comissão “enfatiza a importância de comunicar publicamente os motivos da renúncia e/ou remoção, quando a decisão estiver relacionada a casos de abuso ou negligência”, aponta o documento, clamando por maior prestação de contas e responsabilidade por parte das autoridades eclesiásticas.
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Em suma, o relatório da Comissão de Proteção à Criança do Vaticano expõe desafios persistentes na resposta da Igreja Católica aos abusos, desde a falta de apoio adequado às vítimas até a carência de transparência na punição de líderes negligentes. A análise desses pontos é fundamental para compreender a complexidade da questão e a busca contínua por justiça e proteção dentro da instituição. Para aprofundar-se em temas que analisam a importância da prestação de contas em grandes instituições, convidamos você a explorar outras matérias em nossa editoria de Análises.
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