A interferência dos EUA na Venezuela suscita profundas inquietações entre especialistas em relações internacionais, que veem na recente confirmação da atuação da Agência Central de Inteligência (CIA) no território venezuelano um precedente perigoso. Essa ação, segundo os acadêmicos consultados pela Agência Brasil, pode justificar futuras intervenções militares diretas de Washington em outras nações da América Latina. Eles alertam que tal movimento não apenas viola o direito internacional, mas também carrega o risco de deflagrar uma guerra civil em um país que faz fronteira com o Brasil, com o objetivo principal de controlar as maiores reservas de petróleo do mundo, em vez de combater o alegado tráfico de drogas, como defende a Casa Branca.
O professor Roberto Goulart Menezes, da área de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), descreve o possível impacto como “catastrófico” para toda a região. Ele sublinha a incerteza quanto à extensão das operações norte-americanas, mencionando a “apreensão total” manifestada por governos como o brasileiro e o colombiano. A perspectiva é que os Estados Unidos busquem transformar a Venezuela em um “protetorado”, instalando um governo de sua preferência.
Especialistas alertam: Interferência EUA na Venezuela
Um pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA acrescenta que a campanha contra a Venezuela representa uma ameaça generalizada para toda a América Latina e o Caribe. “Deixa todo mundo em alerta. Nós estamos falando de os EUA invadirem um país que é colado ao Brasil. Assim, não é qualquer coisa. Isso aí é estarrecedor”, ponderou, evidenciando a gravidade da situação.
Na quarta-feira, 15 de novembro, Donald Trump confirmou publicamente a autorização para que a CIA operasse contra o governo de Nicolás Maduro. Em coletiva de imprensa na Casa Branca, o ex-presidente afirmou: “Acho que a Venezuela está sentindo a pressão, e outros países também”.
A professora Camila Vidal, de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), enfatiza que a intervenção dos EUA na Venezuela configura uma violação do direito internacional. “É ilegal um país interferir na soberania de outro país. Gostando ou não, Maduro é o presidente do país. Para o Brasil, tem impactos seríssimos. A gente faz fronteira com a Venezuela. Estamos falando de uma ação de guerra na nossa fronteira. Agora Venezuela, amanhã vai ser quem?”, questionou a acadêmica, destacando as implicações para a segurança regional.
Risco de guerra civil e instabilidade regional
O delegado Rodolfo Queiroz Laterza, historiador e pesquisador de conflitos armados, analisa que as ações dirigidas a Caracas podem ser replicadas contra qualquer nação latino-americana que, porventura, se oponha aos interesses dos Estados Unidos. Ele avalia que “isso demonstra que todo e qualquer regime, sistema de governo ou sociedade latino-americana pode ser objeto de estratégias de guerra híbrida, como nós estamos vendo contra a Venezuela”. Em setembro, a maioria dos países da América Latina já havia manifestado preocupação com a crescente presença militar dos EUA no Caribe, um tema frequentemente abordado em análises sobre a política externa norte-americana na região.
Para Laterza, uma eventual queda ou assassinato de Maduro poderia desencadear uma guerra civil na Venezuela, com consequências graves para todos os países vizinhos, incluindo o Brasil. Tal cenário seria catalisado por movimentos paramilitares e de oposição, com forte apoio da mídia corporativa, levando a uma polarização social e política intensa. Os desdobramentos incluiriam um aumento significativo do fluxo migratório e uma instabilidade acentuada nas fronteiras. A opositora venezuelana Maria Corina Machado, vencedora do Nobel da Paz em 2025, tem apoiado publicamente as ações de Trump contra a Venezuela, dedicando o prêmio ao chefe de Estado norte-americano.
Motivações geopolíticas e econômicas da intervenção EUA na Venezuela
Apesar de a Venezuela enfrentar problemas com o narcotráfico, o especialista em segurança internacional Rodolfo Queiroz Laterza afirma que o país não possui cartéis produtores de drogas em uma escala que justifique os argumentos de Trump contra a nação. Ele argumenta que o principal motor das ações de Trump é um fator geoeconômico: a Venezuela detém as maiores reservas petrolíferas do planeta. O que se busca, segundo Laterza, é um rearranjo que permita ao governo Trump exercer influência sobre essa riqueza, garantindo que conglomerados por ele apoiados assumam o controle dessas reservas.
O professor Roberto Goulart Menezes, da UnB, concorda com essa avaliação. Ele destaca que a Venezuela possui cerca de 320 bilhões de barris de petróleo. “Os EUA querem recuperar a Venezuela. Eles sabem que é um país-chave para o Caribe devido a importância energética que Caracas tem”, acrescentou Menezes. Em junho de 2023, o próprio Donald Trump admitiu que, se tivesse vencido a eleição contra Biden em 2020, teria “tomado a Venezuela e pego todo o petróleo”.

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Para a professora Camila Vidal, da UFSC, as medidas de Trump contra Maduro não estão relacionadas ao combate às drogas ou à imigração ilegal. Em vez disso, a motivação reside no fato de que a Venezuela não é “subserviente a Washington”. Ela ressalta que a Venezuela não representa uma ameaça direta aos EUA, mas sua política autônoma e independente é inaceitável para Washington, que historicamente não tolera a presença de um país não alinhado em sua “esfera de influência” na América Latina.
Camila Vidal compara a justificativa de combate às drogas com pretextos utilizados em outros conflitos, como a alegação de armas nucleares no Iraque, que posteriormente se provou infundada, ou o comunismo soviético durante a Guerra Fria. Para a professora, o interesse real é a remoção de um governo autônomo para a instalação de um regime subserviente aos Estados Unidos.
Contexto histórico da relação Caracas-Washington
Desde a chegada dos chavistas ao poder em 1999, Caracas e Washington mantêm uma relação pautada por conflitos. Em 2002, um golpe de Estado removeu Hugo Chávez da presidência por dois dias, sendo revertido por militares leais ao então líder.
Em 2017, a pressão norte-americana se intensificou, com os EUA sancionando o setor financeiro da Venezuela após Maduro instalar uma Assembleia Constituinte que suprimiu os poderes da Assembleia Nacional, então controlada pela oposição. Em 2019, Washington impôs um embargo ao petróleo venezuelano e apoiou a tentativa do deputado Juan Guaidó de assumir o controle do país. Contudo, a partir de meados de 2022, o embargo econômico contra a Venezuela foi parcialmente flexibilizado devido à guerra na Ucrânia.
Em julho de 2024, Nicolás Maduro foi reeleito em um pleito que gerou denúncias de fraude. Com a subsequente reeleição de Donald Trump, os EUA voltaram a aumentar a pressão para desestabilizar o governo de Caracas, inclusive com o envio de milhares de militares para a costa marinha do país caribenho, reiterando a complexidade e a tensão latente na região.
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Esta análise aprofundada reitera a complexidade da geopolítica regional e as potenciais consequências que a interferência dos EUA na Venezuela pode trazer para a estabilidade do continente. A comunidade internacional permanece vigilante aos desdobramentos de uma situação que testa a soberania dos países e a paz na América Latina. Para mais reportagens e análises detalhadas sobre temas políticos e econômicos que impactam o cenário global, continue acompanhando nossa editoria de Política.
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