A Justiça do Rio de Janeiro determinou a reforma de um imóvel histórico, outrora residência de um dos maiores expoentes da literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908). Apesar de ser um bem tombado, o local demonstra visíveis sinais de deterioração e, atualmente, opera como um estacionamento rotativo na região central da cidade.
A decisão judicial, proferida pela 15ª Vara de Fazenda Pública da Capital do Tribunal de Justiça (TJ), atende a um pleito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). A ação tem como réus a prefeitura do Rio de Janeiro e o proprietário do imóvel, exigindo providências imediatas para a restauração e conservação do patrimônio.
Justiça Determina Reforma de Imóvel Histórico de Machado de Assis
O antigo lar do escritor localiza-se na Rua dos Andradas, número 147, no centro do Rio de Janeiro. Foi neste endereço que Machado de Assis residiu entre os anos de 1869 e 1871. O edifício é oficialmente tombado por um decreto municipal e faz parte integrante da Área de Preservação do Ambiente Cultural (Apac) do centro, uma região que abriga uma infinidade de propriedades centenárias, algumas inclusive protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A área onde o imóvel está inserido encontra-se um pouco mais afastada do dinamismo comercial e financeiro do Rio, próxima à chamada Pequena África. Este local, reconhecido como um berço da cultura africana no Brasil, tem sido alvo de diversos projetos de restauração e revitalização, visando resgatar sua importância histórica e cultural.
Ao fundamentar a ação civil pública, a 1ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Capital do MPRJ argumentou que a prefeitura da cidade é a entidade pública incumbida de fiscalizar e assegurar a conservação dos bens tombados. Contudo, o órgão público não teria adotado medidas eficazes para conter a degradação e a descaracterização do imóvel.
Em resposta à solicitação do MPRJ, a Justiça estabeleceu uma série de determinações específicas:
- Remoção cuidadosa de elementos arquitetônicos originais que estão se desprendendo da fachada, com posterior acondicionamento para uma eventual reprodução ou restauração e reaproveitamento.
- Retirada da cobertura de fibrocimento instalada na fachada, juntamente com outros componentes construtivos que se encontram em estado precário de conservação.
- Instalação de uma proteção adequada no topo da alvenaria para prevenir a contínua infiltração de água, além da remoção e adequação da fiação elétrica na fachada do prédio.
A decisão estipula que as intervenções devem ser iniciadas dentro de um prazo máximo de 45 dias e concluídas em até 120 dias, sob pena de multa diária não inferior a R$ 10 mil em caso de descumprimento dos prazos estabelecidos.
O Legado de Machado de Assis e a Preservação Cultural
Autor de obras-primas como “Dom Casmurro”, “Quincas Borba” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado de Assis residiu no endereço em questão pouco antes de publicar seu primeiro romance, “Ressurreição”, em 1872. Figura multifacetada, atuou como jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo.
Conhecido carinhosamente como “O Bruxo do Cosme Velho”, Machado foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) e seu primeiro presidente, um papel que reforça sua monumental importância para a cultura e a língua portuguesa. A preservação de locais associados à sua vida é, portanto, de valor inestimável para a memória nacional, como salientado pelo promotor Carlos Frederico Saturnino à Agência Brasil, por ocasião do ajuizamento da ação no final de setembro.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
O promotor enfatizou que a manutenção e restauração de edificações tombadas constituem uma forma crucial de salvaguardar o legado histórico. Ele destacou dois pontos de grande relevância: o valor histórico da construção, com mais de 150 anos de existência e inserida em uma Apac, e o fato de ter sido a residência de Machado e sua esposa logo após o casamento. Inclusive, um levantamento histórico revelou uma carta de 1869, na qual o escritor se referia ao seu novo lar na Rua dos Andradas em correspondência a um amigo, Ramos Paz.
Para Carlos Frederico Saturnino, a vida e a obra de Machado de Assis representam talvez o exemplar mais significativo e atemporal da expressão artística e cultural brasileira. “Seu valor como precursor do romance realista, que se dedicou a desvendar a condição humana e as suas nuances psicológicas, é reconhecido mundialmente e o colocam lado a lado com ícones da literatura mundial”, afirmou. Ele também reforçou que, em qualquer nação, a memória da vida de grandes escritores, incluindo suas residências e locais de trabalho, é cuidadosamente preservada e aberta à visitação, um padrão que deve ser replicado no Brasil. Mais informações sobre o legado e a instituição podem ser encontradas no site da Academia Brasileira de Letras.
Posicionamento da Prefeitura do Rio
À época do ajuizamento da ação, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), órgão vinculado à prefeitura do Rio, informou que o imóvel é de propriedade privada. “A responsabilidade pela manutenção e conservação é do proprietário, que já foi devidamente notificado e autuado ao longo dos anos para cumprir as exigências estabelecidas”, declarou o IRPH, transferindo a responsabilidade direta da execução das obras ao particular.
A decisão judicial de 13 de outubro de 2025, portanto, visa não apenas resgatar a dignidade de um bem material, mas também preservar um capítulo fundamental da história cultural brasileira, intimamente ligado à vida e obra de Machado de Assis, garantindo que futuras gerações possam reconhecer e valorizar o local onde o “Bruxo do Cosme Velho” teceu parte de sua vida.
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Crédito da imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil