A Mostra Ailton Krenak em São Paulo marca um momento histórico no cenário cultural brasileiro. Pela primeira vez, o projeto Ocupação do Itaú Cultural, localizado na capital paulista, dedica sua homenagem a uma pessoa indígena. O escolhido para esta iniciativa inédita é Ailton Krenak, cuja singular trajetória como militante, pensador e escritor o tornou uma das vozes mais proeminentes na defesa dos direitos dos povos originários e do meio ambiente.
Completando 72 anos em 29 de setembro, Krenak tem reiterado consistentemente a indissociável conexão entre a existência humana e a natureza, um princípio fundamental de sua filosofia e ativismo. Sua atuação ganhou destaque nacional e internacional, especialmente por atos simbólicos de resistência.
Em 1987, durante a Assembleia Constituinte, o líder indígena protagonizou um marcante protesto ao pintar seu rosto com tinta de jenipapo, simbolizando a luta contra as violações dos direitos dos ameríndios. Este ato histórico se tornou um ícone da resistência indígena no Brasil. A exposição proporciona aos visitantes uma imersão na vida de Krenak, permitindo acesso não apenas ao ativista renomado, mas também a um lado mais íntimo do escritor, visível em registros que o mostram sentado em uma escrivaninha. Em outubro de 2023, o mineiro foi reconhecido por sua vasta contribuição ao ser eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Mostra Ailton Krenak em São Paulo Exibe Mais de 90 Peças
A ocupação dedicada a Ailton Krenak reúne um acervo substancial de mais de 90 peças diversas. Entre os itens expostos, os visitantes encontrarão uma rica coletânea de fotografias que narram momentos cruciais de sua vida e militância, vídeos que registram discursos e entrevistas, recortes de jornais que documentam sua atuação pública, cadernos pessoais com anotações e reflexões, e uma série de desenhos. Alguns desses desenhos são apresentados de forma animada, acompanhados pela voz calma e marcante de Ailton Krenak, criando uma experiência sensorial única. A mostra também inclui pinturas, poemas clássicos e haicais de sua autoria, revelando a multiplicidade de seu talento artístico e literário.
A concepção e concretização desta grandiosa homenagem foram fruto do trabalho dedicado de uma equipe composta por três profissionais mulheres. A curadoria e a produção contaram com a expertise da artista e ativista dos direitos indígenas Moara Tupinambá e da terapeuta integrativa e produtora cultural Ingrid Tupinambá. Somaram-se a elas a jornalista, escritora e produtora cultural Angela Pappiani, e a escritora, atriz, ilustradora e diretora de cinema e teatro Rita Carelli. A colaboração dessas especialistas garantiu a sensibilidade e profundidade necessárias para retratar a complexa e inspiradora trajetória de Krenak.
Um dos pontos altos da exposição é a possibilidade de folhear as obras de Ailton Krenak, proporcionando um contato direto com sua produção literária. Reconhecido como poeta e escritor, Krenak também se aventura na literatura infantil, como exemplificado pelo livro “Kuján e os meninos sabidos”. Essa obra narra a história do encontro entre o criador, que surge na Terra sob a forma de um tamanduá, e suas criaturas humanas, transmitindo valores e conhecimentos ancestrais de forma acessível aos mais jovens. A presença de suas obras literárias na mostra sublinha a importância da narrativa e da educação para a disseminação das ideias e cultura indígena.
Diversas fotos na mostra eternizam instantes significativos da vida de Ailton Krenak. Uma delas retrata momentos compartilhados com Ní Krenak, sua companheira de vida e de luta, simbolizando a força da união e da resistência partilhada. Outra imagem emblemática registra o fortalecimento de laços entre suas filhas, Maíra Pappiani Lacerda e Inimá Pappiani Lacerda, ele próprio e o renomado líder yanomami Davi Kopenawa, em 1987. Esse registro destaca a importância das alianças e do apoio mútuo entre as diferentes etnias. Muito antes dos processos de desintrusão da Terra Indígena Yanomami ganharem visibilidade pública, Ailton Krenak já nutria, em 1995, um profundo interesse e intercâmbio com a população yanomami que reside na porção do território localizada em Roraima, evidenciando seu engajamento de longa data com as causas indígenas.
Além de sua vasta produção literária, os visitantes terão a oportunidade de apreciar as obras de artes visuais de Ailton Krenak. Uma de suas pinturas, datada de 1998, foi concebida especificamente para ilustrar a capa do livro “Vozes da Floresta”, uma importante obra que aborda a vida e o legado do sindicalista e seringueiro Chico Mendes, outro ícone da luta pela Amazônia e pelos direitos socioambientais. Ailton Krenak também contribuiu não apenas com a escrita, mas também com as ilustrações do livro “Firmando o pé no território: temática indígena em escolas”, reforçando seu compromisso com a educação e a valorização da cultura indígena no ambiente escolar.
A mostra ganha ainda mais profundidade com o depoimento de Lidiane Damaceno Krenak, presente no folder de divulgação. Ela contextualiza a percepção externa sobre o povo originário de Minas Gerais, “conhecido por muitos como hostil, bravo, bárbaro”. Lidiane ressalta a dolorosa história de seu povo: “Como todos os outros povos indígenas, passamos pelas chamadas ‘guerras justas’ – nome dado ao processo violento de domínio e invasão dos nossos territórios. Não há outra palavra: invasão”. Essa declaração contundente expõe a violência histórica sofrida pelos povos indígenas e a eufemística terminologia utilizada para justificar a espoliação de suas terras e culturas.

Imagem: Letycia Bond via agenciabrasil.ebc.com.br
Lidiane também oferece um olhar sensível sobre a trajetória de Ailton Krenak, referindo-se a ele como um de seus “makiãm”, termo que significa liderança. “Nosso parente teve uma caminhada difícil, longe de sua terra”, afirma. Ela detalha como Ailton aprendeu com os não indígenas, “filtrou tudo com sua alma de guerreiro e transformou essa vivência em uma forma de luta, por seu povo e por muitos outros que, ao longo do processo de colonização, foram quase extintos no corpo e na memória”. Essa perspectiva pessoal enaltece a resiliência e a capacidade de Krenak em converter adversidades em força motriz para a defesa de sua etnia e de todos os povos oprimidos pela história colonial do Brasil.
Continuando seu relato, Lidiane Damaceno Krenak evoca as inúmeras batalhas travadas por Ailton ao longo de sua militância. Ela descreve os sacrifícios pessoais: “Dormiu em bancos de praça, comeu pão duro e marmitas frias com outros guerreiros e, ao lado deles, lutou pela demarcação do nosso território, para que nossos direitos fossem garantidos e respeitados”. A fala reforça o caráter incansável e a dedicação de Krenak às causas indígenas, destacando que, apesar das dificuldades e da distância de sua terra natal, ele “nunca esqueceu suas origens. Desde pequeno, mesmo vivendo em outra terra, jamais deixou de buscar suas raízes”.
A narrativa de Lidiane conclui com um toque poético e emocional, revelando a conexão profunda de Ailton com sua terra e o sofrimento inerente a ela. “Uma história dolorida, da qual tirou forças para retornar e lutar pelo chão que hoje pisa”, diz. Ela também menciona o hábito de Krenak de se conectar com a natureza ancestral: “Com o coração partido, ainda caminha até a beira do velho Watu [nome dado pelos Krenak ao Rio Doce] para conversar com ele, ouvir no silêncio da alma as respostas que aliviam os males da vida e pedir direção para não errar no caminhar”. Esta passagem ilustra a espiritualidade e a busca por sabedoria nas raízes culturais do povo Krenak, especialmente em face das tragédias ambientais que assolaram o Rio Doce.
A “Ocupação Ailton Krenak” permanecerá aberta ao público no Itaú Cultural, em São Paulo, até o dia 23 de novembro. A entrada é gratuita, democratizando o acesso a essa importante homenagem a um dos maiores intelectuais indígenas do Brasil. Para aprofundar o conhecimento sobre a vida e a obra de Ailton Krenak, vale a pena consultar informações adicionais sobre sua biografia e produção, como as disponíveis na Academia Brasileira de Letras, instituição da qual se tornou membro em 2023, consolidando seu legado no cenário cultural e intelectual do país.
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Esta exposição em São Paulo oferece uma oportunidade imperdível para o público mergulhar na rica tapeçaria da vida e do pensamento de Ailton Krenak, um líder que continua a inspirar com sua militância incansável e sua visão sobre a interconexão entre humanidade e natureza. Acompanhe nossa editoria para mais notícias sobre cultura, política e os movimentos sociais que moldam o Brasil contemporâneo.
Crédito da Imagem: Letycia Bond/Agência Brasil