A corrida espacial global intensifica-se, com os Estados Unidos enfrentando crescentes apelos para que a agência espacial Nasa retorne astronautas à superfície lunar antes do final da década. No entanto, por trás dessa ambição acelerada, reside um cenário de complexidade e incertezas que levantam dúvidas sobre a liderança norte-americana no setor.
A estratégia da Nasa para esta nova fase de exploração lunar, parte do programa Artemis III, depende crucialmente da Starship, o maior sistema de foguete já concebido pela SpaceX. Contudo, a eficácia e prontidão desse veículo colossal ainda são objeto de questionamentos, especialmente diante do avanço de concorrentes internacionais.
Nasa na corrida espacial: Desafios e a busca da Lua
Bill Nye, CEO da The Planetary Society, uma proeminente organização de defesa da exploração espacial, alertou recentemente que a Administração Espacial Nacional da China (CNSA) está no encalço da Nasa e “quase certamente caminhará na Lua nos próximos cinco anos”. Nye caracterizou este momento como um “ponto de viragem” e uma etapa crucial na história da exploração espacial, ressaltando a urgência da situação para os Estados Unidos.
O Papel Crítico da Starship da SpaceX
A Starship, peça central nos planos da Nasa para o pouso lunar, encontra-se nas fases iniciais de um extenso processo de desenvolvimento. Seu histórico de testes tem sido marcado por falhas dramáticas, com seis de dez voos de teste apresentando problemas significativos em partes do veículo. Recentemente, um protótipo explodiu durante testes em solo, sublinhando os desafios tecnológicos inerentes à sua criação.
A expectativa gira em torno do próximo teste, o Voo 11, programado para ser lançado na noite de segunda-feira (13) a partir das instalações da SpaceX no Sul do Texas. Este teste é vital, mas o megaroguete ainda precisa superar marcos importantes, como a capacidade de reabastecer a Starship enquanto ela está em órbita terrestre. Essa manobra, inédita para qualquer espaçonave, é essencial devido ao design e ao tamanho sem precedentes do veículo.
A complexidade aumenta com a incerteza sobre a quantidade de reabastecimentos necessários para uma missão de pouso lunar, que a Nasa planeja para meados de 2027. Inicialmente, um executivo da SpaceX estimou que seriam necessários aproximadamente 10 lançamentos de tanques de combustível. No entanto, engenheiros do Johnson Space Center da Nasa, em Houston, revisaram essa estimativa, sugerindo que um único pouso lunar poderia exigir mais de 40 lançamentos de veículos Starship projetados para transportar propelente, conforme revelado por um ex-funcionário da agência sob anonimato.
Essa estimativa pode ser específica para a Versão 2 (V2) da Starship, e a SpaceX planeja introduzir uma versão aprimorada após a próxima missão de teste, o que poderia alterar as projeções. Apesar disso, mesmo que o número de voos de reabastecimento esteja entre 10 e 40, o caminho escolhido pela Nasa para o retorno à Lua é “extraordinariamente complexo”, segundo Jim Bridenstine, ex-administrador da Nasa durante o primeiro mandato de Donald Trump, em audiência no Senado em setembro.
Bridenstine afirmou que nenhum administrador da Nasa de seu conhecimento teria selecionado esse plano se tivesse tido a escolha de usar a Starship como o módulo de pouso lunar. A decisão foi tomada em 2021, em um período em que a agência espacial operava sem um líder confirmado pelo Senado.
Em resposta à audiência do Senado, o administrador interino da Nasa, Sean Duffy, expressou sua indignação durante uma reunião com funcionários da agência em 4 de setembro. “Talvez eu seja competitivo. Fiquei com raiva disso”, declarou Duffy. “Eu serei condenado se essa for a história que escrevemos. Vamos vencer os chineses na Lua.” Um porta-voz da atual liderança da Nasa optou por não comentar a situação, citando o silêncio governamental.
Por Que a Abordagem de Artemis III Difere da Missão Apollo
Dada a magnitude da Starship e suas demandas de reabastecimento, o roteiro da Nasa para a missão Artemis III apresenta-se consideravelmente mais complexo do que as missões Apollo do século XX. Nas jornadas lunares anteriores, a Nasa empregava um único foguete, o Saturn V, que transportava tudo o que os astronautas necessitavam, incluindo a cápsula da tripulação Apollo e os módulos de pouso.
A agência não está repetindo essa abordagem simplificada por diversos motivos. Primeiramente, o voo espacial moderno não é meramente uma replicação de projetos antigos. As cadeias de suprimentos, os métodos de construção e as capacidades institucionais que viabilizaram os veículos de lançamento da Apollo não existem mais. Além disso, mesmo que a Nasa pudesse ressuscitar seus foguetes retrô, a agência deixou claro que tal caminho não se alinha com seus objetivos atuais.
O programa Artemis aspira a missões mais ambiciosas do que a Apollo, visando permitir que humanos visitem a região do polo sul da Lua, em grande parte inexplorada. Pesquisadores acreditam que essa área pode conter água em forma de gelo, essencial para futuras bases lunares. O pouso no polo sul é tecnicamente mais desafiador devido ao terreno acidentado e à exigência de maior energia. Contudo, a presença de água e outros recursos lunares poderia ser fundamental para sustentar uma operação tripulada permanente, onde astronautas viveriam e trabalhariam.
O ex-administrador da Nasa, Bill Nelson, que liderou a agência sob o presidente Joe Biden, reforçou que a visão da Nasa não é apenas fincar uma bandeira na Lua, mas estabelecer um caminho para uma presença humana contínua. “Para a pesquisa que vamos fazer na superfície da Lua, particularmente em um lugar muito difícil de chegar – o polo sul – é necessário um módulo de pouso maior”, disse Nelson à CNN em setembro. Ele acrescentou que “simplesmente não se pode levar tudo junto”, como faziam os astronautas da Apollo, “por causa da lei da física”.
Artemis III: Um Caminho Intrincado
Apesar das justificativas da Nasa, críticos argumentam que seria possível realizar uma missão lunar menos complicada do que a dependência da Starship, mesmo que não tão simplificada quanto a Apollo. O roteiro atual para a Artemis III descreve uma sequência intrincada de eventos.
A missão começará com o lançamento de uma Starship básica, que servirá como um depósito de reabastecimento em órbita. Este depósito aguardará lançamentos adicionais de Starships, carregadas exclusivamente com propelente, que acoplarão e transferirão combustível. Seja a necessidade de 10 ou 40 lançamentos, o processo deve ser ágil para mitigar os efeitos da ebulição do combustível criogênico, que evapora se não for mantido em temperaturas ultrabaixas, como observou Doug Loverro, consultor e ex-administrador associado da Nasa para exploração humana.
“Ninguém sabe quão eficiente será a transferência”, disse Loverro, chamando a questão de “quase impossível de responder”.
Após o reabastecimento do depósito, a SpaceX lançará então uma Starship HLS (Human Landing System), equipada para transportar humanos e com todos os sistemas de suporte à vida. Somente após acoplar com o depósito e ser reabastecida, a Starship HLS iniciará sua jornada para a Lua.
Paralelamente, os astronautas serão lançados em órbita a bordo de um veículo distinto: a espaçonave Orion, impulsionada pelo foguete Space Launch System (SLS). A Orion se separará do SLS e iniciará sua própria trajetória para orbitar a Lua. Uma vez em órbita lunar, a espaçonave Orion se conectará com o módulo de pouso Starship. Dois dos astronautas serão então transferidos para a Starship HLS, que os levará ao polo sul lunar, uma área desafiadora devido às suas crateras íngremes.
Após aproximadamente uma semana de exploração, os astronautas retornarão à Starship HLS, que os lançará de volta à órbita lunar para acoplar novamente com a Orion. Finalmente, a cápsula Orion transportará os astronautas de volta à Terra, culminando em um pouso no Oceano Pacífico. Se a Nasa conseguir concretizar esta ambiciosa missão até meados de 2027, superaria a meta da China de realizar um pouso tripulado até 2030.
Os Bastidores da Escolha da Starship
Doug Loverro, contudo, avalia o plano da Nasa como “incrivelmente difícil, complexo” e provavelmente distante uma década da realidade. Em sua perspectiva, a decisão de empregar a Starship como módulo de pouso lunar para a Artemis III foi um equívoco. Ele sugere que a SpaceX fez grandes promessas em sua proposta de US$ 2,9 bilhões para garantir o contrato, e embora Loverro acredite que a empresa eventualmente tornará a Starship operacional, ele duvida que o veículo esteja pronto antes que a China consiga pousar astronautas na Lua.
A SpaceX não se pronunciou sobre o assunto. Uma fonte ex-funcionária da Nasa, próxima ao processo de seleção, revelou à CNN que a Starship superou concorrentes em avaliações técnicas conduzidas por uma equipe de especialistas. As análises consideraram as capacidades da Starship e os custos para o governo, um fator crítico dado os recursos limitados da Nasa. “Não foi uma decisão controversa naquela fase” do ponto de vista da agência, disse a fonte, mencionando que a Nasa teria preferido selecionar duas empresas, mas não possuía o orçamento para isso. A Blue Origin, concorrente da SpaceX, chegou a processar o governo federal, alegando favoritismo, mas um juiz manteve a decisão da Nasa.
A Starship da SpaceX prometeu não apenas cumprir a tarefa do pouso lunar, mas também ser um catalisador de transformações para a indústria espacial. O gigantesco foguete poderia viabilizar missões que a Nasa antes apenas sonhava. Ainda assim, críticos como Bridenstine argumentam que a Starship foi provavelmente escolhida por sua promessa futura, e não por seu potencial de desempenho sob um prazo iminente. “Francamente, não faz muito sentido se você está tentando ser o primeiro a ir à Lua, desta vez para vencer a China”, reiterou Bridenstine em setembro.
Apesar das críticas, Sean Duffy, o chefe interino da Nasa, demonstrou confiança na SpaceX. “Acho que é importante ser honesto, e se eu pensasse que teríamos preocupações – eu diria a vocês”, disse Duffy à CBS News em agosto. “E se houver um ponto em que eu tenha preocupações, tornarei isso público.”
A Realidade dos Desafios e o Otimismo Persistente
Apesar de um número crescente de vozes expressando preocupação de que apostar na Starship para a corrida lunar possa ser uma aposta de alto risco, poucas partes interessadas estão dispostas a denunciar publicamente o plano ou recomendar uma mudança de curso. O Senador Ted Cruz do Texas, uma figura influente na política espacial dos EUA, deixou claro em uma audiência de setembro que considera tarde demais para abandonar a Starship. “Quaisquer mudanças drásticas no plano da Nasa nesta fase ameaçam a liderança dos Estados Unidos no espaço”, disse Cruz.
No entanto, a portas fechadas, alguns líderes da indústria espacial manifestam profundas preocupações. Loverro sugere que a gravidade do problema pode não ter sido totalmente assimilada pela liderança do setor. “Acho que estamos realmente na etapa um do processo de 12 etapas de descobrir que temos um problema”, afirmou. Para aprofundar a compreensão sobre os programas espaciais, é possível consultar informações adicionais na página oficial da Nasa, que detalha suas missões e projetos futuros.
Outros, contudo, permanecem otimistas, apontando para o notável histórico de sucesso da SpaceX em projetos colaborativos com a Nasa, como o Programa de Tripulação Comercial da Estação Espacial Internacional. Durante uma reunião do Painel Consultivo de Segurança Aeroespacial (ASAP) da Nasa em 21 de setembro, o membro Paul Hill, que visitou as instalações de desenvolvimento da Starship em agosto, reconheceu que o cronograma para este veículo está “significativamente desafiado”. O comitê ASAP prevê que o veículo estará “anos atrasado” em relação ao prazo de 2027.
Em resposta à reunião, a secretária de imprensa da Nasa, Bethany Stevens, declarou em 23 de setembro que a agência “agradece a oportunidade de ouvir nossos grupos consultivos e partes interessadas… Essas discussões são importantes para ajudar a Nasa a executar nossas missões com segurança.” Hill também elogiou a SpaceX, reiterando um sentimento comum entre líderes e partes interessadas da indústria: mesmo com atrasos, a empresa possui um histórico de excelência e a capacidade de concretizar projetos, mesmo quando as previsões indicam falha. “Há um gênio multifacetado e auto-perpetuador, por falta de uma maneira melhor de dizer, na SpaceX”, afirmou Hill, enaltecendo o modelo de negócios e a abordagem de desenvolvimento da empresa. “Não há concorrente, seja governo ou indústria, que tenha esta combinação completa de fatores.”
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A complexidade e a urgência da nova corrida espacial, liderada pelos esforços da Nasa e da SpaceX para a missão Artemis III, contrastam com a determinação da China em alcançar a Lua em breve. Enquanto os desafios tecnológicos e logísticos da Starship persistem, a agência espacial norte-americana mantém o otimismo, ciente de que o êxito desta missão definirá o futuro da exploração lunar e a liderança dos Estados Unidos no espaço. Continue acompanhando as últimas notícias e análises sobre o avanço tecnológico e a exploração espacial em nossa editoria de Análises.
Crédito da imagem: CNN Brasil