A nova era dos juros longos marca uma transformação significativa no cenário financeiro global, após mais de uma década de intervenção intensa dos bancos centrais na compra de títulos públicos. Este novo ciclo, caracterizado pelo quantitative tightening (QT) – a reversão dos programas de compra de ativos (QE) implementados após a crise financeira global – promete acelerar, encerrando um período que, de forma artificial, comprimiu as taxas de juros de longo prazo e diminuiu o custo do endividamento para governos ao redor do mundo. A diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, Solange Srour, destaca que o risco, neste novo contexto, retoma seu verdadeiro valor de precificação.
O movimento de quantitative tightening (QT) é um passo crucial para restabelecer a funcionalidade dos mercados. A intenção é reduzir a dependência estrutural entre as políticas fiscal e monetária, que se intensificou durante a era de grandes balanços dos bancos centrais. Tais balanços excessivamente volumosos não apenas distorcem o sistema financeiro, mas também geram uma interdependência perigosa entre governos com altos níveis de endividamento e bancos centrais que, na última década, se tornaram seus principais financiadores indiretos.
Nova Era dos Juros Longos: Risco Volta a Ter Preço
Recentemente, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos defendeu que o Federal Reserve (Fed) precisa diminuir consistentemente o tamanho de seu balanço. Esse argumento sublinha a urgência de uma mudança para restaurar a saúde dos mercados financeiros e mitigar a ligação entre as esferas fiscal e monetária. O estudo “The Demand for Government Debt”, publicado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) em 2023, evidencia a dimensão dessa alteração. Entre os anos de 2000 e 2022, bancos centrais como o Federal Reserve (Fed), o Banco Central Europeu (BCE), o Banco do Japão (BoJ) e o Banco da Inglaterra (BoE) deixaram de ser meros participantes marginais para se tornarem detentores de aproximadamente dois terços de toda a dívida pública global. Essa proporção atingiu 22% nos Estados Unidos, 16% na zona do euro, 31% no Reino Unido e impressionantes 44% no Japão. Essa intervenção massiva foi fundamental para comprimir o “term premium” – o prêmio que os investidores exigem para manter títulos de longo prazo – a patamares historicamente baixos, criando condições excepcionalmente favoráveis para o financiamento governamental.
Com a redução dos balanços dos bancos centrais, o mercado recupera seu papel na precificação do risco de duração. A tarefa de absorver a crescente oferta de títulos públicos é transferida para investidores privados, como bancos comerciais, fundos de investimento e seguradoras. Diferentemente dos bancos centrais, esses agentes financeiros operam sob restrições de balanço e demandam compensações mais elevadas para assumir riscos de longo prazo. Essa dinâmica resulta em prêmios de prazo positivos, curvas de juros mais inclinadas e maior volatilidade nas taxas de juros de longo prazo, características marcantes da nova era dos juros longos.
Essa transição crucial, no entanto, ocorre em um contexto fiscal global que se mostra particularmente frágil. As principais economias desenvolvidas enfrentam níveis de dívida pública historicamente elevados, com os Estados Unidos registrando cerca de 120% do PIB, a zona do euro 90%, o Reino Unido 100% e o Japão superando 230%. Com a retirada gradual dos bancos centrais do papel de compradores massivos de títulos, o custo marginal da dívida ressurge como uma variável essencial para a sustentabilidade fiscal de qualquer nação. A capacidade de um governo de manter sua dívida em níveis gerenciáveis, sob as novas condições de mercado, se torna um desafio central para os formuladores de políticas econômicas.
Além disso, diversos fatores adicionais contribuem para restringir a demanda estrutural por títulos de longo prazo neste novo cenário. O envelhecimento populacional global, por exemplo, diminui o peso relativo dos poupadores com horizonte de investimento mais longo, ao mesmo tempo em que amplia o protagonismo de investidores com prazos mais curtos, como fundos de crédito, private equity e hedge funds. Estes últimos são intrinsecamente mais sensíveis à volatilidade do mercado e, consequentemente, menos dispostos a assumir riscos de duração prolongada. Simultaneamente, em um ambiente de juros curtos elevados, fundos de pensão e seguradoras conseguem cumprir suas obrigações de passivo com menor exposição ao risco de longo prazo, reduzindo seu apetite por papéis de maior duração. Some-se a isso a maior volatilidade da inflação e as incertezas geopolíticas crescentes, que tornam os ativos de duração extensa consideravelmente menos atraentes para uma ampla gama de investidores. Para mais detalhes sobre o papel dos bancos centrais e a demanda por dívida, o estudo “The Demand for Government Debt”, do BIS, oferece uma análise aprofundada.
Durante muitos anos, o quantitative easing (QE) atuou como uma espécie de “anestesia” para os mercados. Ao absorver títulos em larga escala, os bancos centrais conseguiram suavizar o impacto dos déficits fiscais sobre as taxas de juros, criando a percepção de que o custo da dívida era estruturalmente baixo. No entanto, essa anestesia está chegando ao fim. O quantitative tightening (QT) tem o efeito de expor o verdadeiro preço do risco, reposicionando a política fiscal no centro do debate macroeconômico global e exigindo uma reavaliação fundamental das estratégias de gestão da dívida.
A combinação de uma oferta crescente de títulos públicos e uma demanda estruturalmente mais seletiva inaugura um regime de juros longos mais exigente e menos complacente. Neste novo ambiente financeiro, a credibilidade fiscal de um país reassume seu papel primordial como a âncora essencial das taxas de juros e o antídoto mais eficaz contra a instabilidade econômica. A capacidade dos governos de demonstrar prudência e responsabilidade fiscal será determinante para atrair investidores e garantir a sustentabilidade de suas economias a longo prazo.
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Crédito da imagem: Solange Srour