O Programa Agora Tem Especialistas, uma iniciativa do governo federal concebida para mitigar as longas filas de espera no Sistema Único de Saúde (SUS) através de parcerias estratégicas com a rede privada, enfrenta um desafio significativo: a baixa adesão de operadoras de planos de saúde e hospitais. Apesar de receber o endosso de médicos e especialistas em gestão pública, o êxito da ação, que visa primordialmente o curto prazo, depende criticamente da participação dessas entidades, que até o momento se mantém aquém do esperado.
A essência do programa reside na possibilidade de encaminhar pacientes da rede pública para unidades particulares — incluindo hospitais privados, filantrópicos e aqueles pertencentes a planos de saúde. Em contrapartida pelos atendimentos prestados, essas empresas teriam suas dívidas com o governo federal abatidas. Esse mecanismo busca transformar passivos em ativos de saúde pública, criando um ciclo de benefício mútuo.
Baixa Adesão Dificulta Programa Agora Tem Especialistas do SUS
A especialista em medicina preventiva, Fátima Marinho, expressou seu aval à iniciativa, destacando a lógica por trás da estratégia, dada a magnitude das dívidas acumuladas pelas operadoras de saúde e o interesse que estas demonstram em negociar. Marinho ressaltou que uma abordagem similar demonstrou eficácia na capital paulista durante a gestão de Fernando Haddad (PT), entre 2013 e 2016, indicando um histórico positivo para o modelo de parceria.
As dívidas em questão são geradas por diferentes fontes. As operadoras de saúde contraem débitos com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quando recusam a cobertura de procedimentos, resultando no encaminhamento do beneficiário para o sistema público. Já os hospitais e instituições filantrópicas acumulam dívidas ao deixar de cumprir com o pagamento de impostos. Compreender a origem desses passivos é crucial para a efetividade do abatimento via prestação de serviços de saúde.
O Ministério da Saúde estabeleceu uma meta ambiciosa para o ano de 2025: realizar atendimentos que equivalham a R$ 750 milhões em dívidas. O cenário atual revela que as operadoras de saúde, isoladamente, somam R$ 1,07 bilhão em dívidas ativas – valores que não foram quitados dentro do prazo legal e estão sujeitos a cobrança judicial por parte do governo. Esse montante supera a meta inicial de atendimentos, evidenciando o potencial do programa.
Contudo, até o final de agosto, o governo havia formalizado parceria apenas com a Hapvida, reconhecida como a maior devedora da ANS. Embora a dívida dessa única operadora fosse suficiente para cobrir a meta de atendimentos estabelecida para o ano, outras grandes inadimplentes, como filiais da Unimed, ainda não haviam aderido ao programa, limitando o alcance das parcerias iniciais. A baixa adesão de outras grandes empresas do setor privado se mantém como um entrave.
Segundo o relatório “Panorama do Ressarcimento ao SUS”, divulgado em junho de 2025, o grupo Hapvida e Notre Dame Intermédica acumula um total de R$ 1,04 bilhão em débitos pendentes, que ainda não foram convertidos em dívidas ativas. A complexidade do cenário se acentua com o histórico de algumas operadoras, como a Hapvida, que nunca efetuaram pagamentos e judicializaram os processos de ressarcimento. Por meio do programa Desenrola Brasil, a Hapvida chegou a conseguir um perdão de R$ 866 milhões, um pedido que ainda está sob análise do governo, mas cujos efeitos já foram contabilizados pela empresa.
Em resposta aos questionamentos sobre a lentidão na adesão, o Ministério da Saúde afirmou que não foi estabelecida uma meta mínima para a composição da rede de parceiros, e que as negociações com outras operadoras continuam em andamento. Além disso, a pasta indicou que estados que não possuam planos de saúde ou hospitais devedores receberão outras formas de investimento e estratégias para aprimorar a oferta de serviços de saúde, garantindo que a iniciativa tenha um alcance nacional.
Expansão e Outras Medidas de Saúde
Paralelamente ao esforço do Programa Agora Tem Especialistas, o governo anunciou, até o início de setembro, outras importantes medidas para fortalecer o SUS. Entre elas, destacam-se a formalização de parceria com três hospitais privados adicionais, a contratação de 501 especialistas para atuar em regiões vulneráveis e um investimento de R$ 142,3 milhões destinado à aquisição de equipamentos de ponta para tratamento de câncer em dez estados brasileiros. Essas ações complementam a estratégia de desafogar o sistema público de saúde. Para mais informações sobre o papel da ANS na regulamentação e fiscalização do setor, você pode consultar o site oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Na área de telemedicina, o governo distribuiu 3.000 kits de atendimento a distância para unidades básicas de saúde e lançou dois editais com o objetivo de expandir ainda mais a oferta de teleconsultas e outros serviços digitais no SUS. Essas iniciativas buscam modernizar o acesso à saúde e otimizar os recursos disponíveis, especialmente em áreas remotas ou com escassez de profissionais.
De acordo com o Ministério da Saúde, a organização das filas do SUS permanece sob a responsabilidade das secretarias estaduais e municipais de saúde, que são as instâncias competentes para encaminhar os pacientes tanto para a rede pública quanto para a rede privada, conforme a disponibilidade e a necessidade. Este modelo de gestão descentralizada visa adaptar os atendimentos às realidades locais.
O médico e professor do departamento de medicina preventiva da USP, Mario Scheffer, ressaltou que, no contexto atual, “não há outra saída a não ser deslocar os pacientes” do SUS para entidades particulares. Ele enfatiza que o setor privado concentra, proporcionalmente à população atendida, a maioria dos especialistas e dos procedimentos de alta complexidade. Essa concentração de recursos no setor privado justifica a necessidade de parcerias para desafogar o sistema público.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Um levantamento coordenado por Scheffer, intitulado “Demografia Médica no Brasil 2025”, revelou dados importantes sobre a distribuição dos profissionais. A pesquisa mostra que a maioria dos cirurgiões especializados atua exclusivamente na rede privada (19,9%) ou se divide entre a rede pública e privada (72,4%). Apenas 7,7% desses profissionais trabalham exclusivamente no SUS, evidenciando a dependência do sistema público de profissionais que também atuam no setor privado.
Ainda conforme o estudo, em termos absolutos, 70% das cirurgias de retirada de apêndice realizadas em 2023 ocorreram no SUS. Da mesma forma, 66% das retiradas de vesícula e 62% das correções de hérnias foram conduzidas pela rede pública. No entanto, ao considerar os números relativos, ou seja, o número de cirurgias por 100 mil habitantes que utilizam as redes pública e privada, a rede particular apresentou uma performance superior. O levantamento considera toda a população brasileira como usuária potencial do SUS para efeitos comparativos.
Denize Ornelas, médica de família e comunidade e especialista em medicina preventiva e social, também avalia que a resolução dos problemas do SUS através da parceria com o setor privado funciona, principalmente, a curto prazo. Ela argumenta que a questão se estende à atenção primária à saúde, que é a porta de entrada dos pacientes no sistema e a primeira linha de cuidado. Para Ornelas, fortalecer esta etapa é fundamental.
A médica explica que “se você tem uma atenção primária forte, com médicos especialistas em medicina de família e comunidade, o potencial de resolver problemas e fazer os encaminhamentos de forma correta para a atenção secundária aumenta muito”. Essa visão reforça a importância de um sistema de saúde robusto desde suas bases.
Segundo Ornelas, a melhoria da produtividade do sistema de saúde requer a superação de carências significativas, como a falta de equipes multiprofissionais, a escassez de exames complementares e a comunicação ineficaz entre a saúde primária e secundária. A implementação de prontuários eletrônicos é apontada como uma solução essencial para integrar informações e otimizar o fluxo de atendimento.
“Trata-se de uma reorganização do modelo de atendimento da rede”, conclui Denize Ornelas. Ela enfatiza que “não podemos só olhar para a fila de espera nesse momento, também é preciso uma mudança do modelo assistencial como um todo”, sublinhando a necessidade de uma reforma estrutural e não apenas de soluções paliativas para as filas.
Esta reportagem foi elaborada com base nos dados e discussões apresentados no 10º Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde da Folha, que contou com o patrocínio do Laboratório Roche e do Hospital Israelita Albert Einstein.
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O Programa Agora Tem Especialistas representa um esforço do governo para aliviar a pressão sobre o SUS, buscando a colaboração do setor privado para acelerar atendimentos. Embora o modelo tenha potencial, sua plena eficácia depende crucialmente da adesão de mais operadoras e hospitais. A discussão sobre a reorganização do sistema de saúde, desde a atenção primária até a secundária, continua sendo um ponto central para garantir um acesso mais eficiente e equitativo à saúde no Brasil. Para aprofundar-se em outras notícias sobre saúde pública e políticas governamentais, explore nossa editoria de Política e mantenha-se informado.
Crédito da imagem: Bruno Santos – 21.ago.25/Folhapress