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Regulamentação Streaming Brasil: Guerra Bilionária em Pauta

Economia

A discussão sobre a regulamentação do streaming no Brasil segue em alta, com gigantes do setor e produtores independentes em uma complexa disputa bilionária. Em 10 de julho, uma reunião crucial em Brasília trouxe representantes dos principais serviços de streaming que atuam no país – Prime Video, da Amazon, Warner Bros. Discovery, Globo, Netflix e Disney – para dialogar com o Ministério da Cultura e a Agência Nacional do Cinema (Ancine). O objetivo foi apresentar discordâncias em relação à proposta de regulamentação do setor, que é defendida por parte dos produtores independentes e pelo próprio governo.

O documento central da discussão, elaborado pelo diretor executivo da associação Strima, Luizio Felipe Rocha, em conjunto com as cinco grandes empresas, abordou pontos de atrito com o Projeto de Lei 2.331/22. Este PL, relatado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), teve sua origem no Senado, passou por modificações na Comissão de Cultura da Câmara e recebeu um substitutivo da relatora dias antes do encontro entre a Strima e o Ministério da Cultura. Contudo, este texto específico não deve mais ser votado, abrindo caminho para novas articulações no cenário legislativo.

Regulamentação Streaming Brasil: Guerra Bilionária em Pauta

Um dos pontos mais sensíveis e centrais nas discussões sobre a regulamentação, que se arrastam por anos, é a alíquota de contribuição ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O FSA é a principal ferramenta de financiamento para a indústria audiovisual brasileira. A proposta da Comissão de Cultura, endossada pelo governo, sugeria uma alíquota de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) de 6% sobre a receita bruta dos grandes streamings no mercado nacional. As empresas de streaming, por sua vez, propõem um patamar de 3%.

Em um documento acessado pelo InfoMoney, a Strima argumenta que uma alíquota de 3% geraria uma contribuição anual de R$ 1,4 bilhão. Este valor, segundo a associação, seria superior à arrecadação do Condecine Teles, a contribuição feita pelas companhias de telecomunicação que hoje responde por mais de 90% do total do FSA. Além disso, a Strima sugere que a base de cálculo da Condecine desconsidere tributos indiretos e a disponibilização secundária de conteúdos.

Condecine e Deduções: Os Percentuais em Debate

Diferentemente do modelo Condecine Teles, nem todo o valor calculado pelos serviços de streaming seria destinado diretamente ao Fundo Setorial do Audiovisual. Tanto a proposta apresentada no substitutivo da relatora quanto as ressalvas da Strima preveem um certo nível de dedução da contribuição da Condecine por meio da aplicação direta de recursos em novas produções. O texto substitutivo indicava um abatimento de 60% para investimentos no licenciamento ou pré-licenciamento de obras brasileiras independentes. A Strima, contudo, busca um percentual de 70% de dedução.

Essa diferença nos percentuais implica que a Strima, com sua proposta de 70% de dedução, contribuiria com 30% de sua alíquota de Condecine diretamente para o FSA. Utilizando a estimativa da própria associação, isso representaria cerca de R$ 400 milhões. A Strima também manifestou o desejo de ampliar as possibilidades de dedução dentro dos 70% propostos, indo além do licenciamento e do pré-licenciamento de obras.

A professora de Cinema e Audiovisual da ESPM, Ana Paula Sousa, esclarece que o pré-licenciamento consiste em uma antecipação de recursos enquanto um filme ou série ainda está em fase de produção, fornecendo capital essencial para a realização da obra. Já o licenciamento, segundo Sousa, é um contrato temporário com cláusulas específicas de tempo e região, onde uma obra já produzida é disponibilizada na plataforma por um período determinado, após o qual pode ser negociada com concorrentes.

Disputa por Direitos Patrimoniais e Destinação de Recursos

Por um longo período, os streamings defenderam que a prestação de serviços – quando uma produtora é contratada para criar uma série ou filme original da plataforma – também fosse passível de dedução. Essa medida significaria que as produções originais dos serviços de streaming seriam financiadas, em parte, com recursos da Condecine. No entanto, representantes do setor de produção se opuseram veementemente a essa ideia.

Mauro Garcia, presidente executivo da Brasil Audiovisual Independente (Bravi), argumenta que os streamings poderiam encomendar produções brasileiras independentes, mas dividindo os direitos patrimoniais. Dessa forma, as produtoras teriam acesso ao fomento público, que seria somado aos recursos das plataformas. Ele enfatizou que não seria aceitável que os streamings tivessem integralmente os direitos patrimoniais.

O documento apresentado pela Strima ao Ministério da Cultura revela que o setor de streaming abriu mão de reivindicar a inclusão da prestação de serviço entre as hipóteses de renúncia. Contudo, a associação classificou como “imprescindível” a hipótese de coproduções com produtoras independentes. Além disso, caso a sugestão de 70% de dedução em investimentos diretos fosse aceita, a Strima propunha que 25% desse valor pudesse ser investido em áreas como capacitação e qualificação de profissionais, implantação e manutenção de infraestrutura para produção e entrega de conteúdo, acessibilidade audiovisual no Brasil, e apoio a associações de profissionais do setor.

O governo, entretanto, manifesta desacordo com um percentual de dedução superior a 60%. Márcio Tavares, secretário-executivo do Ministério da Cultura, declarou ao InfoMoney que a proposta de 60% já é elevada e que um valor superior seria “contraproducente em todos os sentidos”. Para ele, o ideal seria um valor ainda mais equilibrado, sem, contudo, especificar um patamar ideal.

Impacto Financeiro e Arrecadação do FSA

Cálculos realizados pela Ancine, a pedido do Ministério da Cultura, estimam que o faturamento das empresas vinculadas a serviços de streaming no Brasil atinja aproximadamente R$ 70 bilhões. Sob uma alíquota de Condecine de 6%, a contribuição total do setor seria de R$ 4,57 bilhões. Desse montante, cerca de R$ 1,83 bilhão seria direcionado diretamente ao caixa do FSA, enquanto os restantes R$ 2,74 bilhões seriam abatidos por meio de deduções.

Esses números evidenciam por que a alíquota não é um consenso nem mesmo entre outros representantes do setor. Uma moção do Conselho Superior do Cinema (CSC), publicada em maio de 2024, pedia uma contribuição de 12%, sem deduções, diretamente para o FSA. A cineasta Cíntia Domit Bittar argumenta que se os streamings defenderem um desconto de 50%, uma alíquota de 12% resultaria em 6%. Ela defende que o percentual atual de 6% seria adequado se fosse integralmente destinado ao Fundo Setorial do Audiovisual. Bittar preconiza uma regulamentação similar ao modelo europeu, que estabelece obrigações financeiras e industriais.

Produtores do setor defendem uma contribuição maior ao FSA para que o fomento direto do poder público tenha uma relevância ampliada no financiamento de obras brasileiras. Existe também o argumento de soberania nacional, pois, com a maioria das grandes empresas de streaming sediadas fora do Brasil, o financiamento via FSA poderia responder de forma mais eficaz às demandas da indústria audiovisual local.

A potencial contribuição dos streamings ao FSA é motivo de intensa discussão porque representa o maior salto de arrecadação do fundo desde 2011. Naquele ano, a aprovação da Condecine Teles transformou as empresas de telecomunicações nos principais financiadores do fundo. A arrecadação da Condecine saltou de R$ 54,6 milhões em 2011 para R$ 906,7 milhões no ano seguinte. Na época, a Ancine, responsável pela gestão do fundo, enfrentou um colapso em sua estrutura, com falta de servidores para gerenciar o aumento significativo de patrimônio, exigindo um aumento de efetivo de 234 para 343 servidores em 2012.

O secretário-executivo Márcio Tavares afirma que a Ancine vive um novo momento e tem se preparado para o avanço da regulamentação. Segundo ele, a agência está fortalecendo sua estrutura institucional, com mais concursos e novos servidores, o que a capacita para lidar com um eventual aporte maior de recursos. Para mais detalhes sobre o setor, consulte o site oficial da Ancine.

Novos Rumos Legislativos e Cotas de Conteúdo Nacional

Ainda resta definir quando um texto sobre a regulamentação avançará para votação. Em uma reviravolta para o setor, que aguardava a votação do projeto do Senado que tramitou pela Comissão de Cultura, o presidente da Câmara, Hugo Motta, indicou em setembro o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ) como relator de outra proposta: o PL 8.889/2017, de autoria do então deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Embora o governo não tenha participado da indicação da relatoria, já houve conversas entre o Ministério da Cultura e o novo relator nas últimas semanas.

Desde que assumiu a proposta, Doutor Luizinho se reuniu com representantes dos serviços de streaming, do setor de radiodifusão e do audiovisual. Um novo texto é esperado em até 30 dias a partir da indicação da relatoria. A expectativa do setor é que, mesmo com alterações em relação ao substitutivo da deputada Jandira Feghali, haja a manutenção da alíquota de 6% e a destinação híbrida dos recursos, combinando contribuições diretas ao FSA com deduções por investimentos.

No documento enviado pela Strima ao Ministério da Cultura em julho, a associação pleiteava um desconto de 50% para serviços que tivessem metade de seu conteúdo composto por obras brasileiras. Segundo apuração do InfoMoney, essa sugestão pode ser acolhida pelo relator. Dados da Ancine de 2023 revelam que nenhuma plataforma atinge essa proporção de obras nacionais. O Globoplay, por exemplo, registrava 35,2% de obras brasileiras e 23,7% estrangeiras, com 41% dos títulos sem informação de nacionalidade.

O Ministério da Cultura almeja que o texto seja votado ao menos na Câmara ainda em 2025. O deputado Doutor Luizinho foi procurado, mas não se manifestou.

Outro ponto de atrito entre produtores independentes e serviços de streaming é a proporção de títulos brasileiros nos catálogos das plataformas. A proposta da Comissão de Cultura, apoiada pelo governo, estabelecia um prazo de quatro anos para que os streamings tivessem, no mínimo, 10% de conteúdo brasileiro em seus catálogos, sendo 60% dessas obras provenientes de produções independentes. Os streamings, por sua vez, apresentaram uma proposta distinta: menos filmes brasileiros para a quantidade mínima total de obras no catálogo e 50% de produções independentes.

Para profissionais do setor, a ampliação do percentual de dedução proposta pelos streamings tem um duplo efeito para as plataformas: para cumprir as cotas, elas teriam que licenciar mais filmes e séries brasileiras, e quanto maior a fatia deduzida por licenciamentos, mais obras nacionais seriam cobertas no abatimento da contribuição direta ao FSA.

Há uma expectativa geral no setor de que a regulamentação finalmente seja aprovada em breve, apesar das dúvidas que pairam sobre o novo texto. “Parece que agora vai. Só não sabemos o quê”, comenta Mauro Garcia, da Bravi. Ana Paula Sousa, da ESPM, destaca que existe um consenso de que a regulamentação é necessária: “Não está bom para ninguém. As plataformas também querem a regulação, porque como ela virá de qualquer jeito, é melhor saber o que espera”. A Strima, em nota, reafirmou seu reconhecimento da relevância do debate legislativo e seu compromisso em atuar de forma propositiva e colaborativa na construção de políticas públicas para o audiovisual, acompanhando as discussões no Congresso e mantendo diálogo aberto com todos os envolvidos.

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Este cenário complexo reflete a importância estratégica do audiovisual brasileiro e a necessidade de um arcabouço regulatório que equilibre os interesses de todos os players. Para continuar acompanhando as principais notícias sobre economia e política que afetam o Brasil, acesse nossa editoria de Economia.

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