A solidão dos progressistas no cenário político brasileiro é mais profunda do que a polarização aparente, conforme revelado por uma recente pesquisa de opinião. Em um país frequentemente retratado como dividido por conflitos irreconciliáveis nas redes sociais, a realidade sugere que apenas uma pequena parcela da população se engaja ativamente nos extremos ideológicos. A professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Maria Hermínia Tavares de Almeida, destaca essa desconexão em sua análise.
Este Brasil, visto como polarizado, é na verdade habitado por somente 10% dos cidadãos ativamente engajados, divididos equitativamente entre a esquerda e a extrema direita. São esses indivíduos que impulsionam as bolhas virtuais e participam de manifestações, seja para defender pautas como anistia para figuras políticas específicas ou para criticar tais movimentos, como observado após os eventos de 8 de janeiro.
Solidão dos Progressistas: Pesquisa Detalha Isolamento no Brasil
Essa perspectiva emerge de um levantamento detalhado patrocinado pelo braço brasileiro da ONG More in Common, intitulado “O papel dos invisíveis na divisão política do Brasil”. A pesquisa segmenta a população em seis grupos com visões políticas consistentes em diversas questões, oferecendo uma compreensão mais matizada do panorama nacional.
Nos extremos opostos desses segmentos, encontram-se 5% dos brasileiros categorizados como “progressistas militantes” e 6% denominados “patriotas indignados”. Complementando esses grupos, surgem a “esquerda tradicional” e os “conservadores tradicionais”, que agrupam parcelas adicionais da população. Contudo, o dado mais notável revela que 54% dos brasileiros constituem os “invisíveis”, uma maioria silenciosa que não se alinha às narrativas sobre um país dominado pela polarização política.
Os pesquisadores descrevem os “invisíveis” como “desengajados” e “cautelosos”, principalmente por não se encaixarem nas classificações políticas convencionais. Curiosamente, suas opiniões tendem a se aproximar mais das posições dos “conservadores tradicionais”, especialmente quando se consideram fatores como renda e escolaridade. Essa constatação sublinha a complexidade do eleitorado brasileiro, que transcende a simplificação em “direita” e “esquerda”.
Uma análise mais aprofundada dos “progressistas militantes” mostra que eles são, em média, mais ricos, mais instruídos, predominantemente brancos e menos religiosos em comparação com os outros grupos. A “esquerda tradicional” compartilha algumas dessas características, embora de forma mais atenuada. Juntos, esses dois grupos de inclinação progressista somam menos de 20% da população, diferenciando-se da maioria por indicadores socioeconômicos e demográficos.
Não é mera coincidência que essa porcentagem de votos válidos para partidos de esquerda na Câmara dos Deputados em 2022 tenha sido aproximadamente a mesma. Tal cenário reflete um padrão que não é exclusivo do Brasil, ecoando tendências observadas em outras democracias. O economista francês Thomas Piketty, por exemplo, identificou uma correlação similar entre alta escolaridade e o voto em partidos socialistas em seu país, cunhando a expressão “esquerda brâmane”. Essa observação de Piketty aponta para uma crescente distância entre as agremiações progressistas e a classe trabalhadora, um fenômeno que também parece desafiar o Partido Democrata nos Estados Unidos.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
No contexto brasileiro, a presença de uma figura popular como o presidente Lula tem atuado como um contraponto ao isolamento social e à fragilidade eleitoral das esquerdas. Com uma base de apoio que transcende as fronteiras partidárias e uma inclinação a integrar a direita pragmática em seu governo de coalizão, Lula possibilitou que o progressismo, mesmo sendo uma minoria numérica, alcançasse o poder. Sua origem, trajetória e perspicácia política foram fundamentais para essa ascensão.
Contudo, a autora sugere que as próximas eleições podem representar a última oportunidade para que esse cenário se repita. As esquerdas, para manter sua relevância e influência, precisarão encontrar meios eficazes de se reconectar com a maioria dos eleitores e superar o isolamento que as ameaça, buscando estratégias que ampliem sua base de apoio para além dos grupos já consolidados.
Confira também: Investir em Imóveis na Região dos Lagos
A pesquisa detalhada pela professora Maria Hermínia Tavares de Almeida oferece uma visão crucial sobre a dinâmica política brasileira, evidenciando que a polarização é um fenômeno concentrado e que a maioria dos brasileiros reside fora dos extremos ideológicos. Compreender a análise sobre a crescente distância entre partidos progressistas e trabalhadores, como apontado por Thomas Piketty, é essencial para qualquer estratégia futura. Para aprofundar suas análises sobre o cenário político brasileiro e suas complexidades, continue acompanhando nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Maria Hermínia Tavares de Almeida