A violência contra profissionais de saúde no Rio de Janeiro atingiu patamares críticos, transformando a rotina de médicos, enfermeiros e demais funcionários em um cenário de constante medo e incerteza. Relatos obtidos sob condição de anonimato detalham situações de intimidação, agressões e invasões a unidades da rede pública municipal, evidenciando a profunda interferência da criminalidade no sistema de saúde carioca.
Os episódios narrados incluem momentos de extrema tensão. Em uma das ocorrências, uma equipe médica da rede municipal esforçava-se para estabilizar e intubar um paciente baleado, enquanto um homem armado, suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas local, exigia a todo custo a sobrevivência do ferido. Em outro incidente, criminosos armados invadiram a sala vermelha de uma unidade, interrompendo o atendimento e agredindo um dos pacientes. A gravidade da situação se estendeu ao sequestro de ambulâncias, uma ocorrência que, segundo os profissionais, já se repetiu em diversas ocasiões, e até mesmo ao transporte forçado de uma equipe de saúde – médico, enfermeiro e motorista – para dentro de uma favela, sob ameaça armada, para atender um baleado.
Profissionais de Saúde no Rio Sofrem com Violência Extrema
O cenário de insegurança impede os profissionais de registrar boletins de ocorrência, sob pena de represálias. Mesmo os livros de ocorrências internos dos hospitais são alvo de monitoramento por parte de criminosos. Na UPA de Costa Barros, localizada na zona norte da capital fluminense, funcionários relatam abordagens por suspeitos na saída da unidade, que exigiam acesso às mensagens de seus celulares, uma clara violação de privacidade e uma demonstração do controle territorial exercido por facções. Em meio a este clima, a prefeitura tem intensificado os pedidos de transferência para servidores alocados em áreas dominadas por facções criminosas ou em locais frequentemente palco de operações policiais, buscando minimizar os riscos.
Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 30 de setembro, quando a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Costa Barros foi invadida por criminosos que sequestraram uma ambulância. O incidente resultou no fechamento da unidade, que permanece inativa desde então. A região de Costa Barros é palco de intensa disputa territorial entre traficantes do Comando Vermelho e do Terceiro Comando Puro, o que agrava a vulnerabilidade dos serviços públicos na área. Um agente de saúde confirmou que, no dia da invasão, muitos funcionários da UPA já haviam solicitado transferência para outras unidades, e há registros de afastamentos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) devido a diagnósticos de síndrome do pânico e ansiedade entre os servidores.
Escalada da Violência e Impacto no Atendimento
A situação em Costa Barros já apresentava sinais de deterioração antes do fechamento. Dias antes da invasão, o carro de uma médica foi atingido por disparos na porta da unidade, em mais um reflexo da violência local. Este incidente na UPA de Costa Barros seguiu-se à invasão de um hospital municipal em Santa Cruz, na zona oeste do Rio, por milicianos. Doze dias antes, criminosos renderam vigilantes na entrada do Hospital Pedro II e ascenderam até a sala de cirurgia, com o objetivo de matar um rival baleado que estava em procedimento cirúrgico. Embora o alvo não tenha sido encontrado e sobrevivido, o episódio demonstrou a audácia e a gravidade das ações criminosas dentro de unidades de saúde.
Em resposta à invasão do Pedro II, as Polícias Civil e Militar deflagraram uma força-tarefa para identificar e capturar os invasores, resultando na morte de um deles pelos próprios milicianos, segundo informações policiais. No que tange a Costa Barros, a PM declarou ter ocupado as comunidades da região por tempo indeterminado, reconhecendo a “grande complexidade” e a “disputa entre grupos criminosos armados” que marcam a área. Enquanto hospitais de maior porte possuem salas dedicadas à polícia com agentes de plantão – como havia um policial no Hospital Pedro II na noite da invasão – as UPAs e clínicas da família carecem dessa estrutura de segurança, ficando expostas tanto a invasões e à priorização de atendimento a baleados, quanto aos constantes tiroteios em seu entorno.
Medidas de Segurança e Desafios Contínuos
Diante da crescente violência, a Prefeitura do Rio, em 2023, oficializou um pedido à Polícia Militar para reforçar e expandir os plantões policiais em hospitais. A resposta dos comandantes indicou que as unidades de saúde sem plantão fixo contam com o policiamento ordinário, ajustado conforme o planejamento do batalhão da área. No caso específico de Costa Barros, a PM reiterou seu compromisso com o diálogo e a atuação integrada para garantir a tranquilidade dos moradores, mas a realidade dos profissionais de saúde continua desafiadora.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A disputa entre facções se traduz diretamente no aumento dos atendimentos por perfuração de arma de fogo na UPA de Costa Barros. Estatísticas alarmantes revelam 28 registros em 2023, 48 em 2024 e impressionantes 78 ocorrências de janeiro a setembro deste ano, evidenciando uma escalada brutal. A prefeitura adota um protocolo de segurança, desenvolvido em parceria com a Cruz Vermelha, que classifica os riscos para atendimento em áreas conflagradas e orienta o fechamento de unidades em situações de insegurança extrema, um procedimento também seguido pelas escolas públicas. Para ambulâncias entrarem ou saírem de unidades na Maré, por exemplo, é comum que profissionais de saúde precisem solicitar ao tráfico a remoção de barricadas. Neste conjunto de favelas, a violência se manifesta não apenas por disputas entre facções, mas também por frequentes operações policiais, levando funcionários e pacientes a se deitarem no chão das enfermarias para se protegerem de tiroteios.
O Impacto no Paciente e o Apelo por Proteção
O impacto da violência vai além dos profissionais e atinge diretamente os pacientes. Durante uma operação policial na Maré, em setembro, uma paciente que havia passado por cirurgia e estava com a incisão aberta teve sua admissão cirúrgica cancelada e foi orientada a buscar atendimento em outro hospital, um reflexo dramático da insegurança. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, ressaltou que o setor de saúde não está isolado da sociedade, mas necessita de um mínimo de tranquilidade para operar. “Temos visto um aumento do número de barricadas em frente às unidades de saúde, o aumento de episódios de tiroteio, de pessoas baleadas dando entrada”, afirmou Soranz, que completou: “Quando se invade uma unidade, ou quando há tiroteio, existe o risco do profissional, mas também do paciente.”
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) tem se manifestado ativamente, realizando reuniões com a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública para demandar medidas de proteção aos profissionais. O conselho mantém canais em suas redes sociais para receber denúncias relacionadas à segurança e chegou a solicitar a inclusão de uma área exclusiva para médicos no aplicativo da polícia, o RJ 190, mas a medida não foi implementada. Guilherme Nadais, presidente do Cremerj, reiterou a gravidade da situação: “É inadmissível que médicos, assim como qualquer outro profissional da área da saúde ou não, exerçam suas atividades de forma amedrontada, o que certamente impacta a qualidade da assistência.” A questão da segurança na saúde pública do Rio de Janeiro é um desafio complexo que exige ações coordenadas e efetivas para garantir o direito à saúde e à segurança de todos. Para mais informações sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, você pode consultar fontes como G1, que frequentemente publicam reportagens e análises sobre o tema.
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A situação de vulnerabilidade dos profissionais e pacientes nas unidades de saúde do Rio de Janeiro persiste como um grave problema social e de segurança pública. A rede pública de saúde, vital para a população, encontra-se sob ameaça constante, impactando diretamente a qualidade do atendimento e a saúde mental dos trabalhadores. Continue acompanhando as notícias de Cidades para ficar por dentro dos desdobramentos sobre a segurança e a saúde pública no país.
Crédito da imagem: Reprodução/Daniel Soranz no X