Em um movimento que solidifica a ascensão dos influenciadores digitais, o YouTube desafia Hollywood, reposicionando criadores de conteúdo como a vanguarda do entretenimento. Em Burbank, Califórnia, conhecida como a “capital mundial da mídia”, Michelle Khare, uma proeminente youtuber com mais de 5 milhões de inscritos, revisa o episódio mais recente de seu aclamado programa “Challenge Accepted”.
A produtora, que lançou seu programa em 2018, narra uma de suas empreitadas mais arriscadas: a recriação de uma cena icônica de “Missão: Impossível”, onde Tom Cruise se aventura pendurado em um avião militar sem auxílio de paraquedas. Khare se vê na tela, agarrada firmemente enquanto a aeronave C-130 decola, um momento que evoca a adrenalina real da gravação, segundo ela e sua equipe de produção de seis membros que discutem os ajustes finais de som e cor.
YouTube desafia Hollywood: criadores viram nova elite do entretenimento
A presença de Khare e de outros criadores em Burbank sinaliza uma mudança tectônica no cenário do entretenimento. Neal Mohan, CEO do YouTube, descreve abertamente a chegada desses talentos digitais como uma “disrupção ao estilo Vale do Silício” para as empresas de mídia tradicionais que historicamente dominaram a região. Segundo Mohan, “os criadores realmente são a nova Hollywood”, indicando uma era onde a produção de conteúdo não é mais exclusiva dos grandes estúdios.
Embora a magnitude do impacto ainda esteja se desenrolando, a atração de Burbank para os youtubers é inegável. A infraestrutura robusta, que inclui estúdios, adereços e uma vasta oferta de talentos e conhecimentos técnicos de Hollywood, permite que esses criadores elevem a qualidade de suas produções. Este acesso à expertise local tem sido fundamental para o aprimoramento do trabalho de nomes como Dhar Mann, que expande seu campus de mais de 11 mil metros quadrados na cidade, e outros canais populares como Rhett & Link, com quase 20 milhões de inscritos, e o Smosh, conhecido por suas esquetes de comédia.
Michelle Khare enfatiza a conveniência de Burbank: “É uma grande concentração de criadores locais e atores aqui, especialmente em um mundo onde muitas produções estão deixando Los Angeles”. Ela destaca a facilidade de alugar figurinos e adereços de gigantes como Warner Brothers e Universal, localizadas nas proximidades, integrando-se à teia de produção tradicional.
Fundado há duas décadas, o YouTube tem intensificado sua presença em Hollywood apenas recentemente. Apesar de seus principais criadores estarem dispersos globalmente – Mr. Beast, com faturamento estimado em US$ 85 milhões no ano passado, opera em Greenville, Carolina do Norte, e o podcaster Joe Rogan em Austin, Texas – a plataforma promove ativamente a narrativa de que está revolucionando o epicentro do entretenimento global. A crescente influência do YouTube se torna uma preocupação real para empresas estabelecidas e até mesmo para serviços de streaming como a Netflix, evidenciando uma transformação no consumo de mídia.
De fato, o YouTube superou a Netflix em tempo de visualização, dominando 13,1% de toda a audiência de TV em agosto, enquanto a Netflix ocupava o segundo lugar com 8,7%, de acordo com dados da Nielsen. Financeiramente robusta, a empresa de propriedade do Google gerou US$ 54 bilhões em receita no ano passado, com um lucro operacional estimado em US$ 8 bilhões, conforme projeções da MoffettNathanson. Um marco significativo este ano foi que a maior parte da audiência nos EUA passou a assistir ao YouTube em televisores, não mais primariamente em celulares ou computadores. Diariamente, aproximadamente 1 bilhão de horas de vídeo são consumidas em telas de TV, sublinhando a importância da experiência na sala de estar.
Mary Ellen Coe, diretora de negócios do YouTube, afirma que a empresa está implementando mudanças para “garantir que os espectadores tenham uma experiência de visualização incrível” em suas TVs. Isso inclui a introdução de miniaturas “dinâmicas” para atrair cliques e a criação de programas episódicos que facilitam a visualização sequencial de séries. Estas inovações, focadas no ambiente doméstico, visam tornar a experiência do YouTube mais similar à da Netflix, que reconhece o YouTube como sua principal concorrência pelo “engajamento” do público. No entanto, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, distingue o conteúdo do YouTube como “para passar o tempo”, contrastando com os programas e filmes profissionalmente produzidos de seu serviço, que ele classifica como “para gastar o tempo”.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A competição entre os gigantes do streaming se estende à publicidade e, crucialmente, ao conteúdo esportivo, último bastião da televisão tradicional. A Netflix fechou um acordo com a NFL para transmitir jogos no Natal, enquanto o YouTube transmitiu o primeiro jogo da temporada de 2025 da NFL em São Paulo no mês passado. Este cenário de competição também gerou atritos com emissoras de TV dos EUA. Recentemente, a NBCUniversal alertou seus assinantes do YouTube TV sobre a possível perda de acesso a programas como “Sunday Night Football” devido a um impasse sobre taxas. A NBCU acusou o YouTube TV de empregar um “manual de big tech”, usando a “capitalização de mercado de US$ 3 trilhões” do Google como alavanca contra grupos de mídia tradicionais. Outras redes, como Fox e TelevisaUnivision, também expressaram descontentamento com o que consideraram exigências de transmissão injustas. O YouTube defende que suas decisões são baseadas no consumo do espectador e nos preços, e a disputa com a NBCU foi resolvida com um acordo “plurianual, de longo prazo”.
Apesar de seu ímpeto disruptivo, o YouTube também busca legitimação nos meios tradicionais. Este ano, a plataforma realizou um evento “de consideração” para gerar burburinho antes do Emmy, o “Oscar da TV”. Michelle Khare e seu “Challenge Accepted” se qualificaram, mas não foram indicados, ainda assim, o evento amplificou a visibilidade de seu programa. Khare, por exemplo, assinou um contrato de patrocínio com a Red Bull, que não apenas a apoiou com publicidade, mas também facilitou a obtenção do avião C-130 para a acrobacia de “Missão: Impossível”. A empresa de bebidas energéticas até organizou uma “estreia de Hollywood” em agosto para o episódio “I Tried Tom Cruise’s Deadliest Stunt” de Khare, com direito a tapete vermelho, pôster de filme personalizado e exibição em cinema interno.
Michelle Khare, que sonhava em trabalhar em Hollywood desde cedo, encontra liberdade na abordagem “democrática” do YouTube. “Se você quer fazer um programa, você pode”, ela afirma, destacando que “a barreira de entrada é o botão de upload”. Contudo, a vida de um criador de conteúdo na plataforma exige uma rotina de criação incessante. Após a celebração de sua última estreia, Khare já se prepara para seu próximo e ambicioso desafio: correr sete maratonas em sete continentes distintos, em sete dias consecutivos, tudo devidamente registrado em vídeo. Para mais insights sobre a evolução da mídia digital, confira este artigo na Forbes sobre a economia dos criadores.
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Este cenário de transformação no entretenimento, onde o YouTube redefine a dinâmica de produção e consumo, é um testemunho da crescente influência dos criadores de conteúdo e da adaptabilidade das plataformas digitais. Continue acompanhando as últimas notícias e análises sobre o mercado de mídia e tecnologia em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Lionel Bonaventure – 5.out.2021/AFP