O efeito metanol já se faz sentir em São Paulo, com comerciantes observando uma queda no consumo de destilados. A primeira sexta-feira após o surgimento de casos de suspeita de intoxicação por metanol, envolvendo bebidas adulteradas, revelou uma mudança no comportamento dos consumidores, especialmente em áreas movimentadas como o Largo Santa Cecília, na região central da capital paulista, em 3 de outubro de 2025.
A reportagem do UOL visitou estabelecimentos na noite anterior para compreender o impacto direto das intoxicações por metanol no hábito de consumo dos paulistanos. A constatação inicial é de que a procura por bebidas como o gim sofreu uma retração significativa, enquanto opções como cervejas, vinhos e destilados enlatados ganham preferência entre os frequentadores de bares e praças.
Efeito Metanol: Consumidores Alteram Hábito de Consumo de Destilados
Comerciantes expressam preocupação com a situação. Marcos Mendes, atuante na região da Santa Cecília, relatou que o fluxo de pessoas nos dias de pagamento geralmente impulsiona o consumo, mas o “medo do metanol está fazendo as pessoas trocarem as bebidas”. Ele mencionou que, em uma sexta-feira típica de pagode, a venda de gim e uísque é alta, com “copões de gim” a R$ 20 tendo grande saída. Contudo, a procura agora se volta para cerveja ou coquetéis, como a bebida em lata à base de rum, o xeque-mate, “até que se conserte isso aí”.
Impacto no Comércio e Mudança de Consumo
A percepção exata do impacto nas vendas deverá ser apurada somente após o encerramento do fim de semana, período de maior movimento para o setor. Apesar da alteração no perfil de consumo, bares e praças continuam movimentados. Filipe Lima, vendedor ambulante de caipirinha, confessou ao UOL sua apreensão com um possível prejuízo, embora ainda não tenha uma avaliação concreta da diminuição no consumo. Ele observou que, na Avenida Paulista, “o pessoal consumiu da barraca e tudo”, o que o deixa em dúvida sobre o impacto generalizado.
Proprietários de casas noturnas também indicam que a frequência do público não se alterou drasticamente até o momento, mas esperam dados mais concretos após o balanço do fim de semana. A tendência é que as bebidas prontas e lacradas, como as opções em lata, sejam mais procuradas, devido à maior segurança percebida pelos consumidores.
A procedência das bebidas tornou-se uma preocupação central para os clientes. Uma consumidora afirmou estar optando por “vinho e cerveja por enquanto”. Em um evento de samba próximo à estação Santa Cecília, duas mulheres relataram que, antes do alerta de intoxicação, não se preocupavam com a origem das bebidas. Agora, porém, suspenderam o consumo de destilados e evitam as “bebidas manipuladas”, como os populares copões de caipirinha com vodka ou cachaça, ou misturas de destilado, gelo saborizado e energético.
Em um pequeno bar no Largo Santa Cecília, uma atendente relatou que apenas uma pessoa pediu uísque com energético, o mesmo que já havia consumido na semana anterior. Ela atribui isso à relação de confiança com os frequentadores habituais. Outra consumidora resumiu o novo comportamento: “Bebemos o que está lacrado e de lugares que a gente já frequenta. Damos esse voto de confiança”. Ela acrescentou que o gim, que já era um consumo esporádico, agora é ainda mais evitado. Uma consumidora notou a falta de preocupação anterior: “Não era uma opção antes conferir de onde vem… A gente precisa que um caso seja exposto para começar a cuidar, né”.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) informou ao UOL que, até o momento, não houve uma queda de faturamento relevante, exceto em estabelecimentos que foram fechados. A entidade ainda aguarda a próxima semana para conseguir medir o impacto real nas vendas.
Preocupação e Dados Oficiais sobre Intoxicação por Metanol
O cenário de alerta é reforçado pelos dados do Ministério da Saúde. Uma única morte por intoxicação por metanol, decorrente do consumo de bebida alcoólica, foi confirmada em todo o Brasil, registrada no Estado de São Paulo. O total de casos suspeitos em todo o país subiu para 102, com 11 casos confirmados, de acordo com o boletim mais recente.
Seis estados estão mobilizados na investigação desses casos. São Paulo registra 101 casos, Distrito Federal 2, e Pernambuco 6. Bahia (2), Paraná (1) e Mato Grosso do Sul (1) apareceram pela primeira vez no balanço nacional. Diante da situação, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 150 mil ampolas de etanol farmacêutico, que serve como antídoto para a intoxicação por metanol. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou à CNN que a entrega e distribuição aos centros de referência de intoxicação das secretarias estaduais estão previstas para os “próximos dias”.

Imagem: noticias.uol.com.br
Como Se Proteger da Adulteração por Metanol
Para se proteger, os consumidores devem desconfiar de preços muito baixos e observar atentamente o estado da embalagem. Gabriel Pinheiro, diretor da Abrasel-SP, destaca que garrafas reutilizadas e rótulos irregulares são os principais indicadores de adulteração. É fundamental observar a apresentação das embalagens e o aspecto do produto. Sinais como lacre ou tampa tortos, rótulo desalinhado ou desgastado, erros de ortografia, logos com variações, e a ausência de informações como CNPJ, endereço do fabricante ou distribuidor e número do lote, são imperfeições perceptíveis que devem levantar suspeitas.
A identificação do metanol durante o consumo é praticamente impossível. Não existem testes caseiros confiáveis, e a substância não altera o gosto da bebida, sendo muito semelhante ao etanol. Álvaro Pulchinelli Junior, médico toxicologista e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), explica que o metanol “não tem um cheiro desagradável, nem tampouco um sabor ruim. Ele se mistura bem à bebida… Isso torna a intoxicação pelo metanol um feito bem traiçoeiro”. A detecção só ocorre após exames clínicos, frente aos sintomas apresentados.
Mecanismos da Intoxicação e Alerta aos Destilados
O risco de adulteração por metanol é significativamente maior em destilados ilegais ou falsificados. Isso ocorre porque a destilação incorreta ou fraudulenta pode concentrar o metanol em níveis letais, sem que haja alteração perceptível de cor ou sabor. Bebidas fermentadas, como a cerveja, não passam pelo processo de fracionamento, o que torna o risco de metanol praticamente inexistente, exceto em casos raros de produção clandestina com aditivos ilegais.
O metanol é uma substância altamente tóxica. De acordo com os CDCs dos EUA (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), apenas 10 ml podem causar cegueira, e 30 ml podem ser fatais. Organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde já documentaram surtos de intoxicação em países como Índia, Irã e Indonésia, sempre associados a destilados clandestinos. Para mais informações sobre os perigos do metanol e surtos em nível global, consulte os relatórios da Organização Mundial da Saúde.
Sintomas, Primeiros Socorros e Comunicação
Os principais sintomas da intoxicação por metanol geralmente se manifestam entre seis e 12 horas após a ingestão, embora nem todos os intoxicados apresentem mal-estar imediato. A dor abdominal é um dos primeiros sinais, seguida por confusão mental, sonolência, insuficiência respiratória e dor de cabeça. Em casos mais graves, pode ocorrer hemorragia craniana.
O corpo reage à transformação do metanol em ácido fórmico no organismo, uma substância altamente tóxica que causa acidez no sangue e compromete o funcionamento celular. Os efeitos da intoxicação variam de acordo com fatores como peso corporal e capacidade metabólica do indivíduo; pessoas com menor peso tendem a metabolizar o metanol mais rapidamente e, consequentemente, sentir os sintomas mais graves de forma precoce. Não existe uma quantidade segura de metanol, pois qualquer volume é nocivo e pode desencadear sintomas graves.
É crucial diferenciar a intoxicação por metanol de uma ressaca comum. Enquanto a ressaca causa dor de cabeça e náuseas, a intoxicação se manifesta com uma dor abdominal aguda e visão borrada. Em caso de qualquer suspeita de intoxicação, é imperativo buscar atendimento médico imediato em uma urgência. Além disso, as autoridades competentes devem ser comunicadas: o Disque-Intoxicação (0800 722 6001, da Anvisa) oferece orientação clínica/tóxica; a Vigilância Sanitária local (municipal ou estadual); a Polícia Civil; e o Procon (órgão de defesa do consumidor).
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A crescente preocupação com o consumo de bebidas adulteradas, exacerbada pelos casos recentes de intoxicação por metanol, tem alterado significativamente o comportamento dos consumidores paulistanos. A cautela na escolha de destilados e a preferência por produtos lacrados e de procedência confiável são tendências claras, impactando diretamente o setor de bares e restaurantes. Manter-se informado e seguir as orientações das autoridades de saúde é fundamental para a segurança. Para mais análises sobre a economia e os impactos sociais em grandes centros urbanos, continue acompanhando nossa editoria de Cidades.
Uesley Durães/UOL